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|| Trilogia da Mudança e Resoluções de Ano Novo (III): Mudar é um processo contínuo ||

Nos dois episódios anteriores falamos de obstáculos à mudança e estratégias pragmáticas para o sucesso. Mas a mudança é difícil e cada conquista meramente provisória, como se o mundo estivesse apenas à espera do primeiro erro para fazer regressar os fantasmas da dúvida. 
 
Para evitar cair em poços de derrotismo, importa incorporar desde o início nas estratégias de mudança mecanismos de proteção, como se fossem air bags que evitem que um pequeno acidente de percurso se torne mortal para os nossos objetivos: livre-arbítrio e preparação para o erro. 
 
Por fim, a mudança nunca é uma conquista definitiva, mas um processo que se conquista cada dia e exige rejuvenescimento e re-energização dos objetivos e das estratégias. 
 
O primeiro air bag a incorporar em qualquer estratégia de mudança pessoal ou organizacional é o livre-arbítrio. Trata-se na verdade de uma condição prévia para a mudança: todo o esforço de mudança só pode ser bem-sucedido se houver efetiva vontade e intenção de mudar, alinhada com os nossos valores reais e não com a auto-imagem que gostaríamos de projetar ou a imagem que pensamos os outros têm de nós. Se estabelecemos uma meta de ser mais saudáveis ou estar mais tempo com a família, mas isso não é efetivamente importante, ou vem atrás de muitas outras prioridades, a probabilidade de fracasso é muito maior – porque não estamos efetivamente comprometidos em ser bem-sucedidos e podemos até ser tentados a boicotar o sucesso. Do mesmo modo, não faz sentido estabelecer objetivos simultâneos de mudança em muitas coisas ao mesmo tempo – devemos focar a atenção naquilo que efetivamente importa, se é que de facto nos importamos com isso.
 
Tentar atingir um objetivo por obrigação ou só porque vemos os outros fazer o mesmo, é o caminho mais curto para falhar e abandonar. Há uma experiência de psicologia clínica que penso traduzir de forma extraordinária a relação entre vontade, liberdade e sucesso. Um ratinho obeso é colocado numa gaiola com uma roda de correr. Como os ratinhos gostam de correr, ele faz isso mesmo, corre com prazer, e ao fim de algum tempo de facto perde peso e melhora os seus marcadores de saúde. Entretanto, um outro ratinho igualmente obeso é colocado numa gaiola ao lado, que é uma grande roda de correr ligada à roda da primeira gaiola, de tal forma que sempre que o primeiro ratinho decide livremente ir correr, o segundo ratinho é obrigado a correr. Este estudo foi repetido sucessivas vezes com diferentes grupos. Enquanto que o primeiro ratinho, que tem a liberdade de correr por gosto, regista melhorias de saúde e perda de peso. Mas o segundo ratinho, que tem à disposição exatamente a mesma quantidade de comida e corre exatamente o mesmo, na verdade deteriora a sua saúde e não perde peso… a única diferença é psicológica, o gosto e prazer de fazer o que quer que seja – neste caso, correr – por decisão própria e não por imposição externa. O livre arbítrio e tomar poder e controlo sobre as nossas decisões é o mais poderoso agente de mudança ou de fracasso.
 
A base da mudança é o auto-conhecimento e consciência dos valores efetivamente importantes para nós.
 
Um segundo “air bag” ou “saída de emergência” que temos que incorporar no plano é deixar espaço para o erro e mecanismos de recuperação do erro. É fundamental reconhecer desde o início que vai haver recaídas e preparar-nos para lidar com elas, saber saltar de volta e retomar o caminho. Não é por falhar uma vez que fica tudo perdido, mas o facto é que temos tendência para este efeito de “perdido por 100, perdido por 1000”. Esta reação é talvez uma forma de autoproteção: reincidir no erro é uma forma de nos autoconvencermos que afinal isso não é muito relevante, ou não nos importamos com isso… Portanto, é crucial estar preparado para errar, saber auto-perdoar esses desvios com bondade, sem autocritica, mas simplesmente regressar ao plano. Isto significa duas coisas:
 
1. Incluir espaço para o erro no plano. Incorporar folgas pré-definidas em que nos damos a autorização para uma asneira. Por exemplo, ver Netflix uma vez por semana em vez de ler ou estudar, dar uma calinada na dieta uma vez por mês, permitir 2 faltas ao ginásio por semana…
 
2. Celebrar as vitórias e perdoar as derrotas, ignorando o que os outros possam pensar. Mas celebrar mesmo, sentir apreciação por cada cigarro que não fumamos e congratular-nos por aqueles 500 metros extra na corrida. Quando somos crianças, temos (ou devemos ter) duas pessoas a incentivar-nos incondicionalmente, a levantar-nos quando caímos e bater palmas quando damos um passo. As crianças são extraordinárias a aprender coisas novas, a mudar, a experimentar precisamente porque estão dispostas a falhar. 
 
O que importa é a coragem de tentar, e de crescer no processo. Nem todos somos atletas olímpicos ou Einsteins ou atrizes de cinema, mas se não tentarmos várias coisas, nunca descobriremos em que é que somos mesmo bons – e isso implica descobrir também coisas em que somos mesmo péssimos. 
 
Um bebé é um génio que em apenas um ano aprende a fazer os complexos cálculos de física necessários para caminhar e noutro ano aprende a falar uma língua nova. Mas passado uns anos, começa o processo de perda de auto-confianca. Enquanto pais, tentamos não criticam os erros dos nossos filhos e aplaudir entusiasticamente o que fazem bem – mas então porque é que não fazemos isso para nós próprios? 
 
O ponto é simples: mudar é difícil. Para mudar, temos que ser os nossos maiores fãs, celeb rfar o que fazemos bem e perdoar o que erramos. Essa é a única forma de aprender e seguir em frente. 
Mudar é sempre uma viagem de transformação pessoal para um novo “eu” mais consciente das escolhas. Essa viagem está repleta de armadilhas e tentações. As recaídas e erros são uma inevitabilidade. Há centenas de razões para recair e voltar aos comportamentos anteriores. Uma situação stressante no trabalho, um problema pessoal difícil de resolver, uma discussão com um amigo ou companheiro/a, ansiedade com os filhos, enfim… há caminhos infinitos para “pecar”.
 
A forma como lidamos com essas recaídas é fundamental. Aliás, a capacidade de aceitar os desvios e regressar ao plano é um instrumento poderoso para reforçar a nossa auto-confiança, dando-nos armas para tomar as opções certas no futuro. Se recaímos no passado e conseguimos corrigir, 1) sentimos que pode custar mais a recuperar do que o prazer temporário daquele pastel de nata, o que nos leva a pensar melhor no futuro e 2) estaremos mais seguros no futuro para conseguir recuperar, em caso de novas recaídas.
 
A tentação depois de uma escorregadela é pensar que está tudo perdido e transformar um desvio numa sucessão de más escolhas. “Perdido por cem, perdido por mil” definitivamente não se aplica. Aliás, uma escorregadela consciente, com apreciação plena pode e deve ser um momento de satisfação – e não de auto-flagelação. A recriminação retira o prazer ao pecadinho, e aquilo que devia ser um momento de alegria rapidamente se transforma em culpa. A melhor forma de lidar com um erro, é assumi-lo como tal e voltar ao nosso caminho.
 
O importante nesta fase, quando estamos a começar a nossa viagem de transformação, é desenvolver um sentimento de auto-compaixão. Devemos ser gentis com a nossa mente, apreciar o pecadinho sem nos recriminar-nos, com a certeza que a seguir saberemos compensar e regressar ao caminho certo. Não vale a pena ultra-amplificar e remoer numa escorregadela.
 
A forma de ignorar sentimentos negativos ou derrotistas não é combatê-los. É impossível combater a mente com a mente. É impossível forçar um pensamento a desaparecer… a não ser substituindo-o por outro pensamento ou uma sensação. Por isso, precisamos de um jogo… conscientemente focar-nos nas experiências positivas, desenvolver conscientemente um sentimento de Apreciação por aquilo que conseguimos alcançar. Quanto mais vezes levarmos a nossa mente para esse espaço positivo, menos tempo a mente vai perder em espaços negativos que nada resolvem. Se for uma pessoa religiosa, pode pensar nisto como o equivalente ao “dar graças”. Na verdade, de forma mais genérica, trata-se de apreciar com consciência o que estamos a fazer – se nos comprometemos a ir mais ao ginásio ou a ler mais ou a fazer dieta, temos que saborear esses momentos, colocando-nos a 100% nesse momento, transformando uma obrigação num ato positivo que escolhi fazer. Esta forma “presente” de estar gera maior auto-satisfação e sentido de conquista. 
 
Por fim, termino estas observações sobre a mudança pessoal e coletiva com uma nota, que pode ser tanto de desânimo como de esperança. A mudança nunca é definitiva. Por isso a probabilidade de fracasso das iniciativas de mudar hábitos e comportamentos é tão elevada: até podemos ter sucesso durantes uns dias ou uns meses ou até anos, mas a dificuldade é enraizar esses novos comportamentos.  
 
É preciso encontrar novas motivações, novos desafios, para nos acompanhar nesse esforço permanente de crescimento pessoal e coletivo. É útil dividir a mudança em etapas digeríveis, mas na verdade nunca chegaremos a um ponto em que podemos baixar a guarda: as tentações, a inércia, o esquecimento estão sempre ao virar da esquina. A chave para a mudança permanente é passar de desafio em desafio, encontrando novos objetivos, de forma a manter “o olho na bola”. O nosso maior adversário no esforço de mudança e melhoria somos nós próprios.
 
Mudar é um processo para a vida toda, nunca uma vitória definitiva. Se aceitarmos que a mudança não é um sprint de umas semanas ou meses, mas uma maratona que vai durar a vida toda, podemos desenvolver um sentido de calma e força interior que sabe lidar com os pequenos desvios e retomar o caminho – isto não é resignação ou desistência, mas resistência para uma corrida de longa distância
12 Janeiro 2023