Trilogia da Mudança e Resoluções de Ano Novo (II): Estratégias para mudar
Todos os anos, na passagem de 31 de dezembro para 1 de janeiro, milhões de pessoas em todo o mundo fazem um compromisso consigo próprias, um compromisso para mudar. Contudo, na vasta maioria dos casos, falhamos nestes objetivos pessoais de mudar, repetindo ano após ano estas promessas simplesmente para as falharmos novamente.
Cerca de 1/3 das resoluções de Ano Novo são abandonadas até final de janeiro, e 4/5 falham no total. A questão é: como mudar? Como tirar da frente os obstáculos que nos condenam ao fracasso?
No episódio anterior apresentamos os 6 obstáculos à mudança. Conhecendo estes obstáculos, podemos definir estratégias sustentadas na psicologia comportamental, para aumentar a probabilidade de sucesso e suportar a mudança.
As estratégias de mudança devem ser sempre pessoais e adaptadas a cada situação, mas a consciência dos obstáculos mais comuns pode ajudar a definir estratégias que promovam a adoção de novos comportamentos, pessoais ou num grupo ou equipa.
Propomos 10 princípios pragmáticos para suportar a mudança pessoal ou organizacional:
1. Mude de forma incremental até ao objetivo final: Estabeleça um plano dividido em etapas, com poucos passos e pequenos: Definir um mega objetivo de mudar tudo ao mesmo tempo é a forma mais certa de desistir. Um processo de transformação pessoal demora tempo e deve por isso ser dividido em etapas. Comece um passo de cada vez: passos pequenos, e poucos de cada vez. Sem perder de vista o objetivo final, pode traçar um plano mensal para atingir os objetivos finais ao longo de 6 ou 12 meses
2. Celebre as pequenas vitórias: Somos geralmente muito rápidos na autocrítica. Como essa critica gera desconforto e a mente tem mecanismos extraordinários para nos convencer a evitar o desconforto… acabamos por nos autoboicotar. Quanto mais duros tentamos ser, mais rapidamente acabamos por ceder. Não tente chegar lá só por auto-controlo ou força de vontade “à força”. Uma abordagem positiva, ligeira, baseada em valores (eu sou uma pessoa saudável, eu sou fit,…) e não em objetivos (perder 20kg ou ir ao ginásio todos os dias…) tem muito mais probabilidade de funcionar
3. Confie no Processo: Vai escorregar. É inevitável. Aceite os pequenos deslizes e volte ao caminho traçado, sem recriminação. E esqueça os objetivos: ninguém pode conduzir a olhar para o mapa. Os objetivos e plano são definidos no início, e reavaliados periodicamente, mas durante a execução do plano, confie no processo. Vai sentir-se muito melhor e com isso ter mais energia, vontade e confiança para continuar. Não se foque continuamente nos objetivos ou a controlar o que já atingiu. Confie no processo e deixe-se apreciar o caminho, sentindo-se bem por saber que está a evoluir no sentido de se tornar uma pessoa melhor.
4. Defina metas positivas em vez de negativas: Tornar as escolhas positivas em vez de negativas. Em vez de definir os objetivos pela negativa (não fumar, não comer doces, não deitar tarde), é preferível definir pela positiva, por coisas que queremos fazer: ficar mais saudáveis, fit, elegantes, descansados. A questão é que o sacrifício é imediato e o benefício é de longo prazo, o que exige como vimos antes estratégias de comprometimento que tornam essas escolhas mais equilibradas
5. Assuma compromissos: Partilhe o seu compromisse com amigos ou publicamente nas redes sociais e crie um grupo de apoiantes que acompanhem o processo e mantenham motivada. Até pode combinar com uma amiga controlar-se e apoiar-se mutuamente. Os compromissos publicos podem aumentar o circulo de apoiantes e aumenta o custo de desistir. Pode assumir compromissos duros (multa por incumprir) como suaves (anunciar publicamente e manter informação do que atinge)
6. Crie rotinas fáceis de seguir: Coloque essas rotinas no calendário, evitando depender de decisões conscientes para fazer algo. Se possível, ligar hábitos novos com hábitos antigos, criando associações mentais.
7. Prepare-se para falhar: Vai haver deslizes, o importante é voltar ao caminho. A mente humana tem mecanismos extraordinários de abandonar o que causa desconforto, portanto é importante estar preparado para umas escorregadelas com a confiança para voltar ao caminho, evitando reações do tipo “perdido por 100, perdido por 1.000”.
8. Auto-compaixão: Vai falhar ao longo do processo. Isso é normal. Significa que é humano e não uma máquina. Mas cuidado com o diálogo interno: tendemos a ser os nossos maiores críticos, quando deveríamos ser os nossos apoiantes. Fale consigo como falaria com uma amiga. Evite recriminar-se. Caso contrário, vai acabar por se auto-sabotar na mudança para evitar o risco desse desconforto.
9. Auto-conhecimento e auto-consciencia: perceber quais os valores que são realmente importantes para nós ajuda a fazer os sacríficos necessários para os atingir. Se estamos a tentar mudar apenas por conformidade a regras externas, mas de facto não sentimos intimamente essa necessidade, facilmente vamos desistir. Além disso, o auto-conhecimento é essencial para perceber quais as estratégias que funcionam e quais as que não funcionam.
10. O ótimo é inimigo do bom: Quando estamos a aprender algo novo ou a tentar adotar um novo comportamento, não vale a pena ser perfecionista. Antes do mais, importa fazer e divertir-nos com isso. Um tenista de alta competição sabe que não deve tentar fazer de cada pancada uma bola vencedora. Há muitas pancadas que são suficientemente boas para manter a bola em jogo, manter o flow, esperando o momento certo para atacar a matar ou simplesmente que o adversário falhe. Do mesmo modo, se queremos melhorar o nosso estado de espírito e reduzir o stress, não precisamos de estar em zen o tempo todo – apenas saber qual o momento certo para o fazer. Isso reforça a confiança e a vontade de regressar a esse estado, ou seja, de manter a bola em jogo.
Estas estratégias pragmáticas podem ajudar-nos a mudar, ou seja, a crescer enquanto pessoas. E são aplicáveis não apenas a nível pessoal, mas também para definir estratégias que promovam a adoção de comportamentos. Nas empresas, para facilitar a mudança de hábitos de trabalho e cultura corporativa. Nas universidades para promover estilos de vida e hábitos de estudo mais eficazes. Nos governos, para estimular certas práticas de saúde, exercício ou poupança.
Sem prejuízo do valor destas estratégias e da sua utilidade – seja para a mudança pessoal seja como forma de promover a mudança organizacional – penso ser fundamental incorporar duas “aberturas” em qualquer plano de mudança, sem as quais todas as estratégias podem falhar, ou pior, ter o efeito contrário. Trata-se de uma espécie de “saídas de emergência”. Falaremos disso no próximo episódio.