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|| Terceira Geração das Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais ||

Dra Bárbara Sampaio da Costa, psicóloga
 
As Terapias Cognitivo-Comportamentais, uma família de intervenções reconhecida como o conjunto de tratamentos psicológicos com o mais amplo suporte empírico, têm vindo a progredir em diferentes gerações. A primeira geração focava-se nos comportamentos, permitindo a redução e/ou eliminação de comportamentos que causam sofrimento e a segunda acrescenta o foco nos processos internos (pensamentos e emoções) para além dos comportamentos. 
 
A terceira geração das terapias cognitivo-comportamentais vem, então, dar enfâse à relação da pessoa com os seus pensamentos e emoções, à identificação dos seus valores e objetivos e à sua relação com o mundo exterior. Esta geração questiona a necessidade de modificar e reestruturar pensamentos ou experiências internas indesejáveis, focando-se na adoção de uma atitude de aceitação e não julgamento de todas as experiências humanas. O processo terapêutico não se centra apenas na redução de sintomas, dando valor à identidade, valores e relações e enfatizando a atenção plena, a desfusão cognitiva e a aceitação. À medida que o foco puramente nos sintomas enfraquece, prevalece o foco nos valores associados a relacionamentos e identidade, colocando a pessoa como central no processo terapêutico e a psicopatologia em segundo plano. 
 
Estas terapias concentram-se em melhorar a qualidade de vida dos clientes em vez de reduzir os sintomas da doença mental. O objetivo é o cliente prosperar e florescer. Todas elas incorporam técnicas de Mindfulness dentro do processo terapêutico, através do conceito de aceitação ou de compaixão. É uma geração sobre saúde e a saúde mental e psicológica é muito mais do que a ausência de psicopatologia.
 
Dentro das terapias de terceira geração existem diferentes terapias como: a Terapia Cognitiva baseada em Mindfulness (MBCT), a Terapia da Aceitação e Compromisso (ACT) e a Terapia Focada na Compaixão (CFT). 
 
Terapia Cognitiva baseada em Mindfulness (MBCT)
 
Na sociedade em que vivemos, onde impera a urgência, a ansiedade e a rapidez, facilmente nos direcionamos para o caos interno que acarreta o aparecimento de doenças que comprometem o nosso bem-estar, o desempenho profissional e as relações interpessoais. O tratamento convencional das doenças é a terapia medicamentosa, normalmente realizada após aparecimento de sintomas físicos ou agravamento de condições psicopatológicas. 
O Mindfulness ou atenção plena auxilia a pessoa a encontrar tranquilidade no mundo acelerado em que vivemos, de forma consciente. Pode ser entendido como uma consciência que se obtém ao prestar atenção deliberada e sem julgamentos ao momento presente, aceitando também o que é desconfortável – pensamentos dolorosos, emoções negativas e sensações desconcertantes. O principal desafio é a adoção de uma postura de aceitação não critica e não reativa de todas as experiências.
 
O Mindfulness permite a regulação da atenção, ou seja, permanecer no momento presente, não projetando o futuro nem ruminando eventos do passado. A única certeza que podemos ter é a do momento presente, não o percamos estando constantemente a viajar para o passado ou futuro. Com o mindfulness vivenciamos os momentos tais como eles são, aproveitando efetivamente a vida tal como ela é, na intensidade certa, isto é, a real. Perante uma situação de vida stressante ou angustiante o Mindfulness permite vivenciá-la de forma curiosa, recetiva e sem julgamento. Quantas vezes o peso de uma situação difícil é colocado por nós próprios? Ver com clareza o momento e vivenciá-lo como ele é, retira muita da conotação negativa que a nossa mente pinta e permite-nos estar tranquilos e conscientes, assumindo uma postura assertiva perante a situação. 
 
Com a adoção de práticas de mindfulness formal (definir um tempo do seu dia para uma meditação) e/ou informal (permitir-se estar consciente nas tarefas do dia-a-dia como lavar a louça, tomar banho…) estamos a apostar no nosso bem-estar e qualidade de vida através da redução de stress, de uma melhor regulação emocional, da melhoria dos processos cognitivos como atenção, concentração e memória, da melhoria da qualidade das relações intrapessoais e interpessoais e do aumento da autoaceitação. Permite-nos libertar dos pensamentos negativos dos quais tantas vezes nos tornamos reféns e diminuir os níveis de cortisol no organismo, melhorando a nossa imunidade. 
 
A eficácia do Mindfulness prende-se com o desenvolvimento da autocompaixão e flexibilidade psicológica, combatendo a ruminação (fluxo de pensamentos negativos incontrolável) e preocupação constantes. Este aumenta a consciência cognitiva e facilita o afastamento dos pensamentos negativos repetitivos, sendo importante na prevenção de recaída das perturbações de humor e ansiedade.
 
Neurologicamente, a prática reiterada de Mindfulness permite o aumento das sinapses neuronais, ou seja, aumenta da comunicação entre neurónios, possibilitando mudanças comportamentais positivas efetivas.
 
A Terapia Cognitiva baseada em Mindfulness incorpora a psicoeducação sobre funções dos processos de pensamento e da forma como interagem com as emoções e comportamentos para além da atenção plena e foco nas sensações do corpo. De forma geral, as técnicas de Mindfulness associadas às Terapias Cognitivo Comportamentais têm demonstrado ser capazes de reduzir sintomas gerais de stress, depressão e ansiedade em populações não clínicas, além de melhorar significativamente a qualidade de vida. Têm também eficácia comprovada na redução dos níveis de stress em clientes com depressão, ansiedade, dor crónica, fibromialgia, cancro e doença cardíaca. 
 
Como o exercício físico, o Mindfulness é recomendado a toda a gente, sendo assegurados ganhos no bem-estar físico e mental assim que forem adotados hábitos consistentes de prática. No entanto, tal como antes de iniciarmos uma prática física que não nos é habitual temos de garantir que gozamos de condição física para o fazer, também com o Mindfulness não deve ser diferente. É preciso entender até que ponto permitir parar e observar determinados pensamentos (alguns de origem traumática ou psicopatológica ainda que possamos não estar conscientes disso) não irá incrementar sentimentos de culpa, vergonha ou autocritica, permitindo também o aumento da gravidade destes estados. 
 
Mindfulness e Stress Ocupacional 
 
O stress ocupacional ocorre quando uma pessoa interpreta os processos relativos ao trabalho como o ambiente de trabalho, o relacionamento entre colegas e chefias, os recursos disponíveis, os conhecimentos e competências próprios, as exigências e metas, como algo negativo não possuindo estratégias de coping ou recursos de enfrentamento satisfatórios para lidar com os mesmos. Por norma, as consequências do stress só são notadas quando já existe um alto nível de comprometimento como insónias, tensão muscular, memória a curto prazo comprometida, fadiga, falta de produtividade, irritabilidade. 
 
Algumas pesquisas evidenciam que a prática formal e informal de Mindfulness permite um aumento da satisfação no trabalho, melhoria das relações interpessoais, aumento da capacidade de autoavaliação, melhoria da regulação emocional e diminuição da exaustão emocional e dos níveis de stress. Outros estudos mostram também o incremento dos processos cognitivos como atenção, concentração e memória e da capacidade de liderança. 
 
Terapia de Aceitação e Compromisso 
 
A Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) é uma abordagem terapêutica que combina processos de aceitação e atenção plena com processos de compromisso e mudança de comportamento através da promoção de maior flexibilidade psicológica. 
 
A inflexibilidade psicológica é o resultado da “fusão” cognitiva e do evitamento, ou seja, ao lermos os pensamentos de forma literal estamo-nos a fundir com eles, evitando experiências desconfortáveis e mantendo-nos na nossa zona de conforto. Por exemplo, se nos sentirmos cansados, sem vontade de fazer nada e pensarmos “estou cansado” podemos aceitar esse momento de cansaço, respeitá-lo e sair dele assim que possível, ao contrariá-lo. Por outro lado, se pensarmos “estou sempre cansado, sou um preguiçoso” e valorizarmos este pensamento vamos aceitá-lo como uma verdade e permanecer nela, não saindo do que inicialmente era um estado passageiro de cansaço. Quando mais vezes o fizermos, mais reforçamos este pensamento negativo de incapacidade, dando-lhe cada vez mais força e rigidez, não nos permitindo abrir a outras perspetivas e acabando por generalizar para outras áreas da vida, reduzindo a qualidade de vida de forma substancial. A flexibilidade psicológica é então descrita como a capacidade de entrar em contacto com o momento presente e com as experiências internas tal e qual como elas são e, de acordo com os valores e objetivos da pessoa, persistir no momento ou alterá-lo, de forma consciente. 
 
Assim, o modelo da terapia de aceitação e compromisso é focado na consciencialização e aceitação sem julgamento de todas as experiências, positivas e negativas, enquanto incentiva a identificação de direções de vida valorizadas, estabelecendo metas realistas e apropriadas que apoiem estes valores. Envolve a produção de flexibilidade psicológica e a capacidade de se tornar mais presente no momento e mudar ou persistir no comportamento que serve aos valores da pessoa.
 
A resposta adaptativa a situações ambientais em constante mudança é crucial para a otimização do bem-estar psicológico. Não há muito tempo todos nós deparamos com uma mudança acentuada das nossas vidas, quando fomos obrigados a confinar na altura da pandemia. A situação em si foi, para todos, geradora de stress, pelo desconhecido, pela imprevisibilidade, pela mudança repentina das rotinas e relações, pelo confronto com a doença e a morte. No entanto, pessoas com maior flexibilidade psicológica foram capazes de aceitar as adversidades e o desconforto mais rapidamente, assim como tomar decisões adaptadas à nova realidade, passando pelos anos de confinamento de forma seguramente mais tranquila do que pessoas com maior inflexibilidade. 
 
A flexibilidade psicológica é estabelecida através de alguns processos centrais tais como: aceitação, contacto com o momento presente, valores, compromisso e desfusão. A desfusão cognitiva tem particular importância nestas terapias porque, em confronto com a fusão cognitiva permite notar os pensamentos, observar, sem um apego excessivo ao seu conteúdo que é normalmente tido como informação real e literal, provocando sofrimento psicológico. Ajuda o paciente a mudar o foco dos seus eventos privados, perspetivando o contexto social onde se insere e melhorando as suas competências de regulação emocional.
 
Terapia Focada na Compaixão 
 
A Terapia focada na Compaixão tem por base uma perspetiva evolucionista aliada às neurociências e equaciona três diferentes sistemas de funcionamento emocional:  o sistema de alerta para o perigo e proteção contra ameaças; o sistema de procura e aquisição e o sistema de segurança, calma e contentamento. 
 
O Sistema de Alerta para o Perigo e Proteção contra Ameaças gera emoções normalmente conotadas como negativas, o medo, a raiva, o nojo... No entanto, todas as emoções são necessárias para a nossa sobrevivência, essencialmente as emoções básicas e, em vez de as conotarmos como positivas ou negativas, podemos conotá-las como agradáveis ou desagradáveis. Este sistema permite-nos detetar e responder adequadamente a situações ameaçadoras, através da experienciação destas emoções. O que seria da espécie humana se, ao atravessarmos uma rua onde há carros a alta velocidade, não sentíssemos medo? Somos programados para focar no negativo, no perigo e nos problemas, para que os consigamos resolver e assim sobreviver. Não há nenhum problema em ser bom a detetar ameaças e resolvê-las, começa a tornar-se problemático quando criamos cenários imaginários de ameaças irreais, quando catastrofizamos e damos voz a esses pensamentos, quando imaginamos os piores cenários possíveis e não temos ferramentas para lidar com eles e quando nos permitimos a estar neste sistema de alerta mais tempo do que o necessário. A sociedade tem vindo a evoluir de forma a facilitar a resolução de problemas em todas as áreas da vida: trabalho, tarefas domésticas, lazer, interações familiares e sociais… Por outro lado, exige-nos que resolvamos tudo prontamente e se os sistemas dos quais somos dependentes falham, somos pouco capazes de lidar com a frustração e o imprevisto. Resta-nos a nós, a cada um de nós enquanto indivíduos únicos, pararmos, percebermos para onde vamos, que batalhas escolhemos travar e que batalhas deixamos ir.
 
Em segundo lugar, o Sistema de Procura e Aquisição permite-nos adquirir coisas e atingir objetivos. Este sistema está relacionado com a produção de dopamina e associado à ambição e ao desejo. Ajuda-nos a satisfazer as nossas necessidades e procurar prazer, mantendo o foco nos nossos objetivos e na realização e satisfação pessoal. Somos capazes de analisar informações sobre recursos disponíveis e ativar estratégias para procurar prosperidade e bem-estar através da obtenção dos mesmos. Promove sentimentos de autoeficácia e motivação quando somos bem-sucedidos. 
 
No entanto, atualmente vivemos num mundo muito mais rápido onde é fácil encontrar esta sensação, que se pode tornar viciante, num simples jogo no nosso smartphone, nos “gostos” das redes sociais ou até em consumos excessivos de comida, pornografia, álcool ou estupefacientes. São sensações de prazer e gratificação imediatas que, muitas vezes, em vez da sensação de mestria, provocam culpabilização e sensação de incapacidade. Para além disso, traçar planos a longo prazo para atingir determinados objetivos exige resiliência e flexibilidade. Nada nos garante que seremos bem-sucedidos no plano que traçamos e que iremos alcançar esta sensação no momento que definimos. Mas nem todos conseguimos parar, analisar, lidar com a frustração, desânimo e tristeza e redefinir o plano. Alguns de nós são também incapazes de valorizar as próprias conquistas assim que chegam lá, seja por se basearem em padrões elevados de perfecionismo nunca sentindo que foram suficientemente bons ou por alguma inibição emocional que não permite aceder às emoções, agradáveis ou desagradáveis, de forma espontânea.  
 
Por último, o Sistema de Segurança, Calma e Contentamento, amplamente ligado à compaixão, refere-se à capacidade de aceder ao modo “ser” em vez do modo “fazer”. Não se baseia na ação, mas no sentir-se seguro, tranquilo e satisfeito.  Pode ser entendido como um sistema de atenção plena e contentamento. Pode dizer-se que, atualmente, a maior parte das pessoas, descura este sistema não se permitindo parar e sair dos dois primeiros sistemas. Quando foi a última vez que fez uma caminhada na natureza e parou a contemplar uma paisagem? Quando foi a última vez que sentiu a água do banho quente no seu corpo e não pensou em mais nada? Quando foi a última vez que parou para meditar e se focou apenas na respiração? É certo que no dia-a-dia não há tantas oportunidades para parar, mas cabe a cada um de nós estar nas experiências, criar momentos de autocuidado onde nos permitimos estar apenas e começar a dizer não a algumas coisas da vida que não nos acrescentam, apesar de parecer que sim. 
 
A Terapia focada na Compaixão permite que os clientes desenvolvam autocompaixão, compaixão nos outros e abertura à compaixão dos outros. Trabalha a tolerância às emoções desagradáveis, ao sofrimento e à frustração, fomentando o não julgamento e a aceitação. Tem um papel central na diminuição da culpa, da vergonha e da autocrítica que, se em níveis muito elevados, podem desencadear psicopatologia ou serem consequência desta.  Esta terapia possibilita um equilíbrio entre os três sistemas de acordo com os desafios do dia-a-dia dos tempos atuais e as caraterísticas únicas de cada indivíduo. A Terapia focada na Compaixão ajuda as pessoas a perceber as suas motivações, emoções e competências relacionais. 
 
O aumento de autocompaixão mostra estar associado à redução de sintomas psiquiátricos e melhoria das relações interpessoais e da autoestima a longo prazo. Podemos ter um nível de autoestima satisfatório relativamente a quem somos neste momento, mas todos os dias mudamos tanto fisicamente como psicologicamente e nada nos garante que as características com que nos identificamos agora e que tanto apreciamos, amanhã estarão presentes. A autocompaixão permite a aceitação desta mudança de uma forma tranquila, superando a perda de quem éramos e permitindo amar a pessoa de hoje da mesma forma. 
 
Terapias Cognitivo- Comportamentais ou Psicofarmacologia?
 
Os psicofármacos usados no tratamento de quadros psicopatológicos de ansiedade e depressão têm vindo a evoluir no sentido da diminuição de efeitos secundários como a dependência física e psicológica, mas não há nenhum psicofármaco totalmente livre destes efeitos.
 
A escolha por um estilo de vida saudável, prática de mindfulness e procura de psicoterapia para resolução de alguns sintomas psicopatológicos ou desenvolvimento pessoal e autoconhecimento é livre de efeitos secundários e tão eficaz como a psicofarmacologia. É sem dúvida mais fácil, no momento de pânico, tomar uma benzodiazepina (Ex: diazepam) e rapidamente se ver livre das sensações incapacitantes e do desespero inerentes ao mesmo. No entanto, sem um trabalho psicoterapêutico e de autocuidado, viverá sempre dependente da medicação e dos efeitos secundários da mesma. Começa a existir a dúvida de quem é enquanto pessoa, onde entra a ansiedade na sua autopercepção e onde entram os efeitos secundários da medicação. Usar medicação para a ansiedade é uma forma de a reforçar, de aos poucos ir aumentando a sua intensidade e frequência e consequentemente aumentar o uso da mesma. Fisiologicamente o seu organismo habitua-se à toma da substância e psicologicamente reforça a crença de que não é capaz de se autorregular sem esta “muleta”. Aprender a lidar com os pensamentos, sensações corporais e emoções desagradáveis pode alterar toda esta experiência até um ponto em que um ataque de pânico, uma crise de ansiedade ou uma insónia recorrente passa a ser uma ideia do passado, muito distante. 
 
A psicofarmacologia é necessária em muitos casos de psicopatologia crónica e/ou grave, para toda a vida, mas será o seu caso? Acima de tudo, faça uma escolha consciente e informada sobre o que quer para si, a curto, médio e longo prazo. 
 
A literatura científica comprova que a terapia cognitivo-comportamental combinada com meditação, ioga e outros comportamentos de autocuidado que privilegiam a saúde do corpo e da mente, pode ser tão eficaz como a medicação antidepressiva a longo prazo na prevenção de recaídas de pacientes com diagnóstico de Depressão Major. Em quadros de ansiedade, os programas de meditação mindfulness mostram resultados equivalente ao uso de psicofarmacologia, inclusive em estudos com grávidas e em mães no pós-parto. Há também excelentes resultados na diminuição da dor crónica em quadros patológicos, permitindo a diminuição acentuada da toma de medicação para as dores.
28 Novembro 2022