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|| De “Monkey Mind” a “Monk Mind”: treinar uma mente mais gentil e disciplinada ||

Stress, ansiedade, desconexão e insónia são problemas comuns e crescentes. Todos temos esses momentos: a mente inquieta, desobediente, que não sossega. Pensamentos negativos ou uma sensação estranha de ansiedade, pensamentos recorrentes que aparecem nos momentos menos oportunos e nos impedem de viver o presente, ideias circulares e obsessivas a que a mente regressa compulsivamente. Pode ser apenas um incómodo, umas vozes desconfortáveis que vêm e vão. Ou essa inquietude da mente pode ser mais profunda, a ponto de perturbar a concentração, dificultar o relaxamento e interação social e perturbar o sono.
 
Esta mente inquieta é uma “mente macaca” (monkey mind), que saltita desobediente de ramo para ramo, uma mente impaciente que atira ideias e sensações de forma desordenada e não sabe como lidar com elas, sem conseguir chegar a um estado de calma e silêncio.
 
Por oposição à “mente macaca”, podemos treinar a mente para ser “MONGE Guerreira” (monk mind), um acrónimo que sintetiza os princípios base para desenvolver uma mente serena, disciplinada e confiante, capaz de gerir a pressão, stress e ansiedade e proporcionar um estado de contentamento. 
 
A obsessão contemporânea com tempo produtivo criou um enorme mal-estar perante o “não fazer nada”. Até o tempo de descanso passou a ser tempo produtivo: exercício ou experiências para postar no instagram. Deixamos de saber lidar com o aborrecimento e por isso estamos sempre em busca de soluções externas para os nossos problemas internos, com receio de ouvir a voz interior. Esse processo de tentar abafar a voz interior com soluções externas começou, curiosamente, com a sedentarização em urbanização onde “poucos” tentam encontrar meios de dominar “muitos”. Primeiro foi com as religiões, ou seja, uma solução externa para a moral e o espirito. Depois, com o mercantilismo e mais tarde a economia industrial, foi com as coisas, ou seja, o consumo de prazeres externos para abafar os desconfortos internos. E em breve será talvez o metaverse, uma realidade virtual que uma vez mais tenta encontrar soluções externas para os nossos desconfortos internos. Só que quanto mais nos afastamos da voz interior e buscamos soluções externas, mais aumenta a ansiedade, stress, alienação e perda de sentido de pertença. 
 
O stress da vida quotidiana, as pressões que colocamos a nós próprios em busca de uma “vida perfeita”, coloca a mente num estado permanente de alerta, sem saber quando desligar. Esta “mente macaca” é o reflexo de viver a vida em estado permanente de “fazer” em vez de simplesmente “ser”, furiosamente preenchendo todos os segundos de forma produtiva. Só que essa obsessão pela produtividade extrema está a deixar-nos exaustos e sem capacidade mental para desligar. Os avanços tecnológicos do ultimo século trouxeram ajudas e soluções extraordinárias para libertar a humanidade de tarefas quotidianas em casa e no trabalho: maquinas de lavar louça e roupa, robots de cozinha, computadores, apps de entrega de comida, google search, email… enfim! Tudo isto libertou horas que antes eram ocupadas nessas tarefas. Devíamos hoje ter mais tempo livre para relaxar, atividades criativas, conversar… só que não temos. Onde foi esse tempo que as tecnologias libertaram? A verdade é que a obsessão de produtividade nos lançou numa busca permanente de formas “eficientes” de ocupar o tempo. Isso é, obviamente, excelente – a humanidade conseguiu no último século proezas de genialidade a um ritmo alucinante, desde o infinitamente pequeno (descodificação do genoma), ao infinitamente grande (os segredos do universo) e até ao imaterial (internet e inteligência artificial). 
 
Esse progresso é extraordinário e pode fazer as nossas vidas melhores. Curiosamente, podemos talvez ter passado o ponto de inversão, em que a obsessão pela produtividade e eficiência nos está já não a dar espaço para crescer, mas a amarrar e secar a criatividade e inteligência. 
 
A eficiência é dedutiva, linear. A genialidade e criatividade muitas vezes são indutivas, não lineares, acontecem quando a mente está livre e sossegada. Talvez seja necessário voltar um passo atrás para reencontrar o tempo perdido de não fazer nada de útil. Ou seja, para voltar a encontrar o equilíbrio mental e libertar a criatividade, podemos ter que re-aprender a não fazer nada. Re-aprender a lidar com o aborrecimento, com desperdiçar tempo em banalidades e coisas não imediatamente “úteis” como, sei lá… debates de literatura ou um serão a contar histórias sob as estrelas ou caminhar numa floresta.
 
O facto é que vivemos no mundo de hoje, cheio de tentações para os nossos sentidos, informação continua a bombardear-nos e pressões no trabalho, em casa, no ginásio, nas redes sociais. Não precisamos de abandonar este mundo e tornar-nos eremitas fechados numa gruta para reencontrar a paz de espírito. Esse é o Santo Graal dos tempos modernos: como destilar a essência de ensinamentos milenares, retirar-lhes as componentes religiosas ou espirituais que afastam muitas pessoas, para recolher ensinamentos práticos que podemos aplicar à nossa vida quotidiana, sem ter que abdicar da competitividade e força de uma vida ativa e interventiva. Sem ter que abdicar do mundo e retirar para um nirvana espiritual de vida contemplativa, mas viver dentro do mundo com serenidade e força.
 
A mente macaca saltita inquieta de pensamento em pensamento, indisciplinada e ruidosa, incapaz de estar em silêncio e paz. Uma mente inquieta e insatisfeita sempre em busca de satisfação fácil, nos “apetites” ou “binge watching” de Netflix. Esta mente macaca reflete e alimenta uma vida pessoal e profissional estilo barata tonta, a correr de um lado para o outro a apagar fogos, sem intenção e propósito e força – a responder às prioridades dos outros em vez de ter força para nossas prioridades.
 
Mas há uma alternativa à “mente macaca”, inquieta e desobediente. Uma mente treinada, forte e serena, firme e gentil, auto-consciente e com mecanismos para auto-reparação. Uma mente abstinente, que não está sempre inquieta em busca de soluções externas para eliminar qualquer desconforto, mas que sabe lidar com esses desconfortos e superá-los. Chamo-lhe a mente Monge Guerreira, por oposição à mente macaca.  O objetivo não é “parar” a mente, mas estar ok com o estado, os pensamentos, sem julgar. 
 
Reconhecer que essa mente inquieta faz parte da obsessão que sustenta a genialidade. A inquietude pode ser a manifestação de duas coisas. Pode ser a manifestação de uma vontade de fazer algo maior, de ter impacto no mundo, e nesse caso devemos saber dar aso a essa mente inquieta, alimentar o nosso poder superior para fazer coisas extraordinárias – os empreendedores, artistas e cientistas que mudaram o mundo são sempre obsessivos, porque fazem algo em que acreditam, com paixão. Mas a mente inquieta também pode ser manifestação de que algo não está bem na nossa vida, que estamos a lutar contra a nossa natureza ou instintos seja no trabalho ou em relações pessoais – e nesse caso, é preciso ter a coragem de auto-análise, auto-conhecimento para decidir mudar, erradicar a fonte do problema, eliminar da nossa vida as pessoas tóxicas ou hábitos que nos amarram e destroem o potencial de grandeza.   
 
Antes de explicar o que é a mente Monge Guerreira, deixem-me explicar o que não é.
 
Não é uma tentativa de dominar a mente à força ou por via racional. Não é um botão de ligar e desligar que ativamos quando queremos. A mente não é um mero computador de execução de tarefas pre-programadas, mas tem vida própria e uma complexidade infinita, que é capaz de associações e ideias brilhantes precisamente porque não se limita a seguir circuitos eletricos pré-programados. A mente humana está sempre a testar novas ligações, novas possibilidades, a deambular. É um instrumento extraordinário de simplificação e complexificação. Deixem-me explicar.
 
É um instrumento de simplificação ultra eficiente porque consegue criar regras, lugares comuns, associações que permitem gerir coisas complexas do dia a dia com dispêndio mínimo de energia – já pensaram nos complexos cálculos matemáticos envolvidos em preparar e beber um café, ou conduzir um carro ou acertar numa bola de ténis em movimento e coloca-la exatamente junto à linha do adversário? A mente ignora tudo o que é mais ou menos parecido com situações já conhecidas e só presta atenção a coisas novas. Claro que com essas simplificações, por vezes comete erros, ilusões do senso-comum, omissões de informação ou preconceitos que nos levam a conclusões distorcidas sem sequer nos apercebermos. 
 
Mas é ao mesmo tempo um instrumento poderoso de deambulação e criatividade, de novas ligações, de testar novas ideias. Por vezes, raramente, são geniais. A maioria das vezes essas ideias são simplesmente chatas… ruído que não nos deixa sossegar em silêncio mental.
 
Por isso, antes de tudo, temos que saber aceitar algumas coisas base. Não vale a pena tentar forçar a mente a parar. Quanto mais tentamos forçar a mente, mais ela foge em sentido contrário, precisamente porque chamamos a atenção da mente para isso e despoletamos ainda mais pensamentos. Curiosamente, quanto mais à vontade estivermos com o ruído mental, reconhecê-lo como apenas isso, ruído de fundo, vozes que vão e vêm mas às quais não temos que prestar atenção, ganhar consciência de que os pensamentos são apenas isso – ideias que não temos que prosseguir ou agir sobre elas mas podemos aprender a notar e deixar ir. Para gerir uma mente inquieta, devemos aceitar essa inquietude. Quando temos medo que a mente comece a disparar, quando estamos ansiosos à espreita de quando a mente começa outra vez em pensamentos circulares, inevitavelmente despoletamos esses pensamentos… portanto, quando aceitamos uma mente inquieta, quase magicamente atingimos mais quietude. Faz sentido? 
 
Se os pensamentos são apenas isso, ligações elétricas entre neurónios que testam possibilidades, não temos que dar seguimento a todas as ideias. Não precisamos de julgar uma mente ou estado mental como bom ou mau, simplesmente aceitar o que é, como é. 
 
Mais importante ainda. Essa mente inquieta é o que faz de nós quem somos e o que fazemos, portanto temos que aceitar essa inquietude de braços abertos. Reflete as nossas ambições, desejos, vontade de agir sobre o mundo à nossa volta. E isso é bom. Não podemos querer ser competitivos e fortes durante o dia de trabalho e depois de repente desligar o interruptor e viver em zen como o master yoda. É a mente inquieta que nos torna curiosos, que nos faz levantar de manhã, que nos leva a imaginar futuros alternativos e lutar por eles, que nos torna empreendedores ou gestores ou engenheiros ou cientistas ou atletas de alta competição ou levar uma nave espacial até Marte. Da próxima vez que se sentir assoberbado com pensamos desconfortáveis, diga-lhes olá e sorria: “Olá mente macaca, hoje trazes pensamentos geniais ou é só ruído?” 
 
A inquietude mental é uma experiência humana partilhada. Essa ideia de que a inquietude e ansiedade são parte integrante da experiência de existir retira a carga negativa a essas sensações. Não estamos sozinhos, mas parte de uma enorme teia de 7 biliões de almas inquietas, todas a sofrer e a brilhar, a chorar e a rir ao mesmo tempo.  
 
Se não podemos – nem queremos – desligar os pensamentos, podemos aprender a decidir quando lhes dar seguimento ou quando os deixar passar. Isso é um processo que pode ser treinado, através de meditação mindfulness, ou práticas de atenção plena. 
 
Estabelecidas estas regras base, passemos então a explicar os princípios práticos da mente MONGE-Guerreira para atingir uma mente serena e forte. Trata-se de um acrónimo e, modéstia à parte, absolutamente genial.
 
M é para Meditação
A meditação mindfulness pode ser despida de qualquer carga religiosa ou espiritual e entendida como um ginásio para a mente. Sempre que conseguimos notar e passar um pensamento, é como uma flexão no ginásio da mente. As práticas mindfulness usam duas técnicas principais: o foco no corpo e na respiração ou a visualização. 
O foco no corpo ou respiração permite dar à mente um ponto de referência e treinar a gerir os pensamentos: ter consciência quando os pensamentos ou sensações aparecem, notá-los, e regressar ao foco na respiração. Isso treina a mente a deixar ir, a largar. O objetivo não é eliminar os pensamentos – isso seria estar morto – mas saber deixá-los vir e ir. 
A visualização é outra técnica, criando uma imagem mental de fluxo ou energia que permite à mente sair do corpo e tornar-se maior, ligar-se à Terra e ao Universo à nossa volta.
 
O é para Off
Off de desligar, re-aprender a passar tempo inútil, sem a obsessão pelo tempo produtivo. Fazer qualquer coisa simplesmente por prazer. Passear sem ser uma “caminhada acelerada” para queimar calorias. Ler um romance e não um livro técnico. Ouvir música. Conversar. Não fazer nada e saber lidar com o aborrecimento. 
Uma parte fundamental de desligar é dormir. Dormir, dormir, dormir. O mundo moderno, com luz artificial e televisão e telemóveis, reduziu brutalmente o ritmo natural do corpo. Falamos no episódio 5 sobre como dormir melhor e porque é que isso importa. Há aspetos genéticos e estilos de vida que facilitam ou dificultam o sono, mas todos podemos adotar uma higiene de sono mais saudável que proporcione melhores condições para uma boa noite de descanso em sono profundo. Durante o sono o cérebro deita fora o lixo e re-organiza o hard drive. Durante o sono são produzidas hormonas como a serotonina, responsável pelo relaxamento e renovação celular. dormir mal resulta em uma diminuição da produção de leptina e na ampliação da produção de grelina, o que leva as pessoas a comerem mais e, consequentemente, ganharem peso. Enfim, se há uma coisa que decida fazer para acalmar a mente e gerir melhor o stress, é adotar praticas mais saudáveis e consistentes para dormir melhor.
 
N é para Nutrição
A ligação entre cérebro e o que comemos está demonstrada cientificamente, há comidas que ajudam ao bem estar cerebral. Pelo contrário, uma alimentação “fácil” de fast-food e confort-food cria muitas vezes sensações de auto-recriminação que só geram loops de insatisfação e mais confort-food. Uma mente Monge é ascética, forte, contida e que sabe viver com o desconforto, sem procurar prazeres externos temporários para responder a desconfortos internos. Ouvir a voz interna, lidar com os desconfortos em vez de atacar o pacote de gelado é mais sustentável e reforça o sentido de auto-confiança. Nos episódios 6, 7 e 8 falamos sobre o impacto da alimentação na saúde fisica, longevidade e saúde mental 
 
G é para Grupos
O sentido de pertença e raízes é um referencial poderoso que dá propósito e sentido à vida. Vários estudos têm demonstrado que comunidades com mais laços interpessoais ou hábitos sociais de relações interpessoais favorecem a saúde mental e reduzem estados depressivos ou de ansiedade. O individualismo e isolamento afastam-nos da experiência humana coletiva e podem criar a sensação de que somos os únicos a lutar com os fantasmas na mente. 
 
E é para Exercício
A importância do exercício físico está já plenamente aceite pela maioria das pessoas. Portanto, mexa-se! Mova-se! Não interessa o quê, faça o que gostar mais, seja caminhar no parque ou lançar-se de asa delta do cimo dos penhascos. O exercício físico oxigena o corpo e liberta endorfina, uma hormona responsável pela sensação de recompensa e bem-estar. Há 3 estilos de desporto diferentes, cada um com vantagens próprias, pelo que tente encaixar um mix entre flexibilidade/alongamento muscular/balanço corporal (ioga e pilates), aeróbicos (corrida, dança, futebol) e de força (cross fit, levantar pesos).
 
Guerreira é isso mesmo, força e firmeza de escolher os nossos caminhos e viver uma vida com propósito e intenção.
 
Tudo isto é um processo, uma prática diária que demora tempo. Como ir ao ginásio, como manter uma dieta, trata-se de manter uma prática mental saudável. Com confiança no processo, ou seja, quando aparecerem aqueles estados de ansiedade e stress, respirar fundo, notar com consciência e dizer à mente, “OK, tratamos disso amanhã de manhã durante a sessão de meditação”.  Como em tudo, temos que acreditar no processo. Aceitar a mente como ela está em cada momento, saborear os momentos de silêncio com gratidão e não obcecar com esse silêncio - quanto mais tentamos forçar a quietude, menos a atingimos.   
 
É um processo, não uma solução permanente. Portanto, temos que re-aprender a ser amáveis e compreensivos com a nossa mente e corpo, não entrar em espiral de auto-critica interna quando nos desviamos. Simplesmente perceber que desviamos, tomar nota e deixar passar, voltar ao caminho. 
Não “Somos” definitivos, fechados à nascença numa mente ou corpo que é isto ou aquilo com juízos de valor, mas a cada dia que passa estamos num processo evolutivo de nos “Tornar”, de atingir o potencial pleno, num estado permanente de crescimento, um caminho que podemos viver com naturalidade e alegria. Com curiosidade – esse é o segredo do mindfullness, curiosidade com o que se passa no momento, no nosso corpo, na nossa mente, no mundo – essa curiosidade permite ganhar consciência. Percorrer o caminho com força e serenidade.
 
O pico da performance, a genialidade e grandeza decorre de sermos a melhor versão de nós mesmo, o que exige auto-conhecimento, propósito, uma força tranquila e persistência serena, porque confortável consigo mesmo. Toda a grandeza parte do interior. 
 
Lembre-se do acrónimo. Uma mente serena e forte é uma mente MONGE-Guerreira. 
12 Outubro 2023