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|| A melhor versão de mim… sem burn-out! ||

O stress, cansaço crónico, ansiedade e burn-out tornaram-se uma “epidemia silênciosa” que afeta a vasta maioria de pessoas, que sofrem em silêncio afetando dramaticamente a sua qualidade de vida, concentração e produtividade. Como podemos desenvolver mais resiliência ao stress e ansiedade, minimizando os efeitos sobre a saúde, bem-estar e espaço mental para levar vidas produtivas?
 
Todos vivenciamos situações de stress no dia-a-dia, no trabalho, universidade ou em casa. A forma como lidamos com o stress, como comunicamos com os outros e como cuidamos de nós é que dita se, a médio ou longo prazo, este stress nos irá ou não esgotar física e psicologicamente, resultando num quadro de burn-out.
 
Por outro lado, deparamo-nos com uma sociedade competitiva onde nos queremos destacar e, tantas vezes, corremos atrás da ideia de perfeição, de controlo e de sucesso, sem percebermos o que é isso para nós, de forma individual.
 
O stress é um mecanismo biológico normal, mas não no estado de sobre-carga permanente
Antes de mais, importa sublinhar que o stress é uma reação biológica natural, mobilizando o corpo e a mente para estado de alerta, chamado “lutar ou fugir”. Ao longo da evolução da espécie humana, estes mecanismos foram desenvolvidos para assegurar a nossa sobrevivência em estados de perigo: aceleração do ritmo cardíaco para levar mais oxigénio aos músculos, descarga de cortisol e adrenalina, mobilização do sistema nervoso para-simpático para colocar todos os sistemas em alerta. Esse choque é perfeitamente natural. Contudo, o que n~ºao é natural e pode causar negativos sobre o bem-estar, saúde, sono e qualidade de vida é passar a um estado crónico e permanente de alerta: a invasão do tempo de descanso pelo email, redes sociais ou notícias leva a mente a fazer aquilo que faz melhor: preocupar-se, inventar catástrofes futuras ou ruminar sobre eventos passados. A pouco e pouco, os “caminhos neuronais” de preocupação e ansiedade tornam-se os estados mentais naturais e a mente regressa automaticamente a esse estado de ansiedade, desconfortável com os estados de calma e paz com os quais não está habituada.
 
O ego prefere estados conhecidos, mesmo que desconfortáveis
A mente racional existe para nos proteger dos perigos, não para nos fazer sentir bem. Sim, ansiedade, preocupação com o futuro, ruminar sobre o passado podem ser estados desconfortáveis. Mas curiosamente, a mente prefere sempre os caminhos neuronais aos quais está mais habituada. Se estamos permanentemente em estado de alerta, a mente desabitua-se dos estados de paz… e mesmo quando tentamos relaxar, a mente tende a fugir e regressar sempre ao estado de alerta. Já reparou que quando vai de férias e tenta relaxar, pode demorar muitos dias a sentir-se relaxado, a deixar de estar em alerta… precisamente porque a mente tende a regressar aos estados neuronais habituais.
 Curiosamente, podemos estar a boicotar a nossa felicidade e bem-estar, preferindo os estados conhecidos de stress e preocupação em vez de nos entregarmos à tranquilidade. Isso é a marca do ego, do nosso Eu controlador. A preocupação e stress dão uma falsa ilusão de controlo, como se estivéssemos a fazer alguma coisa para controlar o futuro… perante a incerteza, o ego prefere muitas vezes preocupar-se, em vez de se entregar tranquilamente ao presente – é uma forma de se sentir importante, em controlo, afastando sensações de impotência que ameaçam a supremacia desse ego.
 
Não podemos eliminar o stress e ansiedade, mas a relação com eles
No mundo contemporâneo, nas nossas vidas profissionais e pessoais, é impossível eliminar os problemas e incertezas. O stress e ansiedade fazem parte integrante da vida humana e são inerentes à consciência. A verdade é que normalmente reagimos exatamente ao contrário: tentar “resolver” tudo, acumulando horas e esforço, na ilusão de resolver todos os problemas para “depois” poder desfrutar da vida. Isso nunca vai acontecer. Os problemas ou incertezas nunca vão desaparecer. Temos que aprender a viver e ser felizes no meio da incerteza. Não podemos esperar pela perfeição para ser felizes.
 Isto significa que não podemos eliminar o stress e ansiedade, mas a relação com eles. A meditação Mindfulness ajuda precisamente a ganhar consciência dos estados mentais, pensamentos e emoções, sem os combater, mas aceitando-os como passageiros. Uma consciência externa que vai para além dos pensamentos e emoções momentâneas. Quando conseguimos dar um passo atrás e “ver” as emoções e pensamentos a surgir, evoluir e desaparecer, o que fica é pura consciência. Como o céu azul e luminoso que está sempre lá, independentemente dos estados do tempo. Mesmo com nuvens e tempestade da vida quotidiana, o céu azul da consciência está sempre lá, uma fonte inesgotável de calma e energia disponível. 
Por estranho que pareça, quanto menos lutamos contra o stress e ansiedade e abandonamos a luta para ser feliz, mais esses estados de calma e felicidade naturalmente surgem, como por magia. O ego está sempre focado no “meu” estado mental, na “minha” felicidade”, no “meu” stress… quanto menos lutamos por forçar um “eu” perfeito, mais damos espaço para esses pensamentos evoluírem, sem nos envolvermos demasiado com eles, até desaparecerem. Nesse afastamento do stress e ansiedade reside o espaço mental onde todas as emoções e pensamentos podem residir, passageiros, como partes de mim mas que não me definem, e ganhando consciência de uma existência e força e tranquilidade que vai para além das lutas quotidianas. 
Isto não significa que a única forma de encontrar paz seja abdicar do mundo e de vidas produtivas para nos tornarmos eremitas num mosteiro no tibete… significa fazer o que decidimos fazer por opção, e não por obrigação ou para um fim imediato. Se a lógica for “fazer isto para ganhar dinheiro para comprar uma casa e então vou ser feliz”, inevitavelmente estamos condenados ao fracasso, a seguir perpetuamente numa ilusão de fazer coisas sem nunca conseguir atingir a perfeição que julgamos necessária para ser feliz. O céu azul está lá sempre, no meio da luta quotidiana. O nosso estado “Fazer” não pode ser condição precedente para o nosso estado “Ser”. 
A resiliência ao stress e ansiedade assenta precisamente em mudar a relação com eles, deixando de lutar para os eliminar, mas aceitando-os com algum afastamento, reconhecendo-os e deixando-os evoluir e desaparecer.
 
Wellness não é um estado permanente de felicidade e prazer
Não podemos esperar pela perfeição para ser feliz, mas deixar a tranquilidade e felicidade inundar a consciência que está para além do “fazer” quotidiano. Do mesmo modo, o bem-estar não é sinónimo de prazer e alegria. O ser humano encontra sentido e tranquilidade nos momentos mais estranhos, que não dependem de um estado permanente de prazer. Pelo contrário, o prazer é ilusivo e passageiro e se fazemos depender o bem-estar do prazer continuo, podemos acabar numa espiral de vícios e tentações que não levam a lado nenhum a não ser à próxima vontade por satisfazer. O prazer é bom, claro, mas a felicidade e bem-estar não dependem dessas sensações – que são sempre passageiras.
 
Resiliência ao stress começa por transformação pessoal
Não podemos continuar a fazer as mesmas coisas e esperar um resultado diferente. Mais do que técnicas ou fármacos, é necessário passar por um processo de tgransformação pessoal, com aceitação e autocompaixão, para valorizar o que realmente importa para cada um de nós.
 
Segundo a definição clássica de Jon Kabat-Zin, Mindfulness é “prestar atenção no momento presente, de forma consciente e com propósito, sem julgamento”. Isto significa, simplesmente, viver no presente de forma plena e consciente, reconhecendo os pensamentos e emoções que surgem, evoluem e desaparecem sem os julgar. Sem remorsos sobre o passado ou ansiedade pelo futuro. 
As técnicas de meditação Mindfulness estão cientificamente comprovadas como tendo efeitos permanentes e substanciais na redução de stress e ansiedade e mesmo estados depressivos. Estas técnicas são diversas e passam por habituar a mente a estar no presente, deixar os pensamentos vir e ir com naturalidade, sem envolver demasiado com eles. Tornar a mente confortável com o silencio, ultrapassando o hábito que o stress permanente cria na mente de preencher qualquer espaço com pensamentos e preocupações, para abrir espaço a simplesmente “estar” e “ser”, sem ter que “fazer”.
Sem prejuízo dos contributos dessas técnicas, a verdade é que se nos limitarmos a segui-las como uma receita, os benefícios para o bem-estar podem ser parcelares, criando apenas uns momentos de alivio dos sintomas do stress mas sem eliminar as causas. As praticas de meditação, yoga, banhos de som, alimentação saudável, rotinas de sono, etc podem ser apenas a ponta do icebergue, deixando o essencial por tratar. 
Na verdade, a resiliência ao stress e ansiedade começam sempre por uma transformação pessoal. Essa viagem de consciência e auto-conhecimento é que pode conduzir a efeitos transformadores de bem-estar e tranquilidade: a descoberta dos nossos valores íntimos, o abandono do ego em vez de focar obsessivamente na felicidade do “eu”, a aceitação e “deixar ir” em vez de querer controlar tudo, aceitar os pensamentos como passageiros em que não temos que agir sobre todos eles, viver no presente sem julgamento… essa é a verdadeira viagem de libertação. É simples, mas não é fácil! 
 
Dor psicológica pode estar a dizer-nos algo
A aceitação e “deixar ir” não significa ignorar as emoções e pensamentos. Não vale a pena lutar contra eles e tentar que desapareçam à força – isso só intensifica a percepção mental da diferença entre o mundo real e o que desejaríamos, aumentando ainda mais as emoções negativas. 
Em vez de lutar contra esses estados psicológicos desagradáveis ou correr a tomar um antidepressivo que mascara os sintomas, temos um caminho alternativo de consciência: reconhecer os pensamentos por aquilo que são, invenções da mente, passageiros. E assim deixá-los surgir, evoluir e dar lugar a outros pensamentos e emoções. As emoções são bem reais, mas para além desses estados do tempo melhor ou pior, ter consciência do céu azul inesgotável que está sempre para além das emoções e pensamentos momentâneos.  
Não nos enganemos… a dor psicológica é bem real. E tem que ser! A ansiedade, a depressão, a obsessão são formas da nossa mente tocar a campainha de alerta de que algo na vida não está bem! Se não desse, não lhes prestávamos atenção! 
Por vezes, são apenas estados passageiros, e se mantivermos uma saudável distância, acabarão por passar.
Mas por vezes esses estados psicológicos negativos são bem reais, permanentes e dolorosos. Na viagem de autoconhecimento e consciência dos nossos valores profundos, teremos que tomar uma decisão que só cada um de nós pode tomar: 
(i) deixar ir, deixar passar, aceitando a situação e encontrando o equilíbrio possível; 
(ii) ou chegar a conclusão que “deixar ir” seria insuportável, recalcar algo que está intimamente contra a nossa natureza, e então encontrar a coragem para ser verdadeiros e tomar as decisões de mudar, mesmo que difíceis;
 
Nesta decisão, pode ser fundamental procurar a ajuda profissional adequada para ser capaz de aceder às “feridas da vida”, tratá-las e cicatrizá-las no tempo que precisam e tomar uma decisão consciente e tranquila sobre a melhor forma de lidar com o sofrimento psicológico, seja aceitação ou mudança.
 
Qualquer que seja a escolha, tomá-la em consciência, em conjunto com as pessoas importantes nas nossas vidas. Sem arrependimentos.
 
Três princípios do Mindfulness fora do tapete
Em termos mais pragmáticos, considero particularmente úteis e reveladores três princípios básicos do Mindfulness que podemos aplicar na vida quotidiana, e não limitados ao tapete de yoga ou meditação.
 
1. Eu existo para além dos pensamentos e emoções. Descartes famosamente definiu a existência em função do pensamento: “cogito, ergo sum”, ou seja, “penso, logo existo”. Essa é a tradução do erro fundamental da filosofia ocidental, que conduziu todo o nosso sistema de valores e de ensino para o materialismo egocentrista: a existência depende e é definido pelos pensamentos. Isto implica uma ligação e envolvimento da existência com os pensamentos, e uma captura da existência pelo ego. O ego todo-poderoso em busca do seu prazer e bem-estar permanente é exatamente o oposto dos ensinamentos das tradições orientais: os pensamentos e emoções são apenas criações da mente, passageiras, e o bem-estar e tranquilidade não dependem dum estado permanente de emoções positivas – a existência está para além dos pensamentos e emoções, a consciência é o céu azul permanente que fica quando nos afastamos dos pensamentos momentâneos. A captura da consciência pelo ego faz depender o bem-estar de emoções continuas positivas e de prazer… o que cria um ciclo vicioso de busca, ansiedade, satisfação momentânea, e desilusão, partindo novamente em busca do prazer seguinte para alimentar o ego.  
Pelo contrário, abandonar o ego permite libertar essa ansiedade permanente, deixando as emoções ir e vir, mas existindo para além dessas emoções e pensamentos. 
Os pensamentos não são mais do que uma invenção da mente, passageiros.
As emoções fazem parte de mim, mas não me definem. Quando uma emoção surge, posso reconhecer “há uma parte de mim que sente ansiedade” ou “há uma parte de mim que sente medo” ou “fracasso”… mas isso são partes de mim, não sou eu. Não tenho que viver em função delas, mas dar-lhes espaço para se manifestarem e decidir o que devo fazer.
No fundo é sempre uma escolha entre permanecer e alimentar a emoção negativa ou vivenciá-la, aceitá-la e deixá-la ir.
 
2. O bem-estar é incondicional, como o céu azul permanente acima das nuvens e tempestades. A felicidade não depende de uma promoção ou dos filhos acabarem a faculdade ou de umas férias em Itália. Não posso esperar pela perfeição para ser feliz, porque a perfeição nunca vai existir. O mundo é imperfeito, sempre em mudança, e as nossas expectativas sempre evolutivas, o ego ambicionando sempre mais e mais. 
Posso escolher lutar por atingir essas coisas, mas não sou definido por elas e o bem-estar não depende delas. Dito de outro modo, a riqueza e bens materiais não criam bem-estar, mas o seu oposto também não… na verdade, são variáveis não correlacionadas. Aquilo que escolhi fazer na vida, percorrendo um caminho em verdade com os meus valores e consciência, isso é que define o sentido e propósito da existência – se por acaso esse caminho conduz a mais ou menos riqueza material, isso é uma mera consequência, totalmente não relacionada com a verdade do caminho percorrido e, portanto, com o bem-estar e tranquilidade.  
Como o amor pelos filhos… claro que ficamos orgulhosos quando tiram boas notas ou ganham o campeonato de ténis, claro que preferimos que tenham uma vida de sucesso. Mas o amor por eles é incondicional e não depende de nada disso.
 
3. A dor psicológica é a satisfação do ego. O ego tem medo de abandonar o controlo e sequestra a mente para estados de ansiedade e preocupação. Como um tirano que prefere uima sensação ilusória de controlo, de que está a fazer alguma coisa para controlar o futuro, mobilizando as emoções e pensamentos como um exercito para nos manter em estado permanente de alerta e luta. 
Pela minha experiência, este efeito é ainda maior em pessoas “tipo A” altamente competitivas e focadas na carreira. Pessoas inteligentes, motivadas e habituadas a resolver problemas através do esforço e da mente racional. A experiência de vida ensinou-lhes que se trabalharem duro e aplicarem raciocínio e planeamento, conseguem controlar os resultados e ter sucesso. Portanto, quando por vezes a mente prega partidas e, por cansaço ou outra razão, perdem o foco na “carreira” ou a propósito da sua corrida, o que fazem? Naturalmente, aquilo que sempre souberam fazer: lutar, esforçar-se, intelectualizar o problema e tentar resolver a ansiedade ou insatisfação por via racional. Só que a mente racional é impotente para se resolver a si própria! Não podemos tratar a mente com a mente. Por isso, temos que sair fora da mente racional, abandonar o estado Fazer, e reconectar com as outras partes de Ser: as emoções, o corpo, o sentido de espanto pela existência que está para além do que fazemos. Reconectar com o coração e a alma ou espírito, não necessariamente de uma forma religiosa, para vivenciando o bem-estar intrínseco de Ser, o céu azul e energia infinita que está para além das lutas diárias… e muito além das exigências do ego.
 
Neste processo de transformação pessoal, as praticas focadas no corpo, respiração e consciência, como o yoga ou meditação, podem ajudar a reconectar e descobrir os nossos valores e verdades. Mas são apenas técnicas. A verdadeira viagem é feita fora do tapete, nas forma como lidamos com a realidade e o que optamos por fazer… ou não fazer.
12 Dezembro 2022