Os “5 S” da perda de peso: como desativar o mecanismo metabólico que nos torna máquinas eficientes de acumulação de gordura
Falar de reduzir o consumo de açúcar em Dezembro, quando nos preparamos para as rabanadas do Natal, pode parecer provocação. E é mesmo! A consciência dos problemas causados pelo açúcar e o conhecimento das fontes escondidas de açúcar na alimentação contemporânea é um passo decisivo para escolhas mais saudáveis. Até porque podemos encontrar sobremesas e snacks altamente satisfatórios sem o pico glicémico no sangue causado pelo açúcar.
A evidência científica é avassaladora: o açúcar está ligado a obesidade, diabetes, tensão arterial elevada e triglicerídeos. O açúcar constitui “calorias vazias”, sem qualquer valor nutricional e praticamente irrelevante para satisfazer a fome, porque se gasta rapidamente, entgra na circulação sanguínea e é convertido em reservas energéticas sob a forma de gordura. Aquele Mars a meio da manhã praticamente não faz nada para reduzir a sensação de fome, o boost energético é muito curto e vai diretamente para as gordurinhas… obrigando a um novo recarregamento para manter o ciclo a funcionar.
Psicologicamente, são muitas vezes uma compensação fácil e imediata para situações de stress, ansiedade e insatisfação, mas que na verdade apenas adia momentaneamente a insatisfação, reduzindo a resiliência psicológica para aceitar o desconforto como “natural”.
Antes da produção em massa de alimentos, os únicos açúcares disponíveis vinham “empacotados” em frutas e vegetais, com elevado valor nutritivo: água, fibras, vitaminas e minerais. Adicionalmente, o consumo de fruta seguia o padrão das estações do ano: só há frutas doces no final do Verão e início do Outono, quando a natureza de prepara para os meses de escassez.
Atualmente, a maior parte do açúcar consumido é adicionado à comida. A indústria tem evoluído para substâncias cada vez mais nocivas, como o xarope de glicose ou frutose líquido, com elevada concentração que chega rapidamente à corrente sanguínea.
Por vezes, ingerimos estas substâncias altamente calóricas sem qualquer valor nutricional sem sequer nos apercebermos, em alimentos supostamente “saudáveis” como bebidas “zero” ou iogurtes de fruta.
Chocante? Já sentiu que faz um esforço continuo por evitar doces e fazer exercício, e no entanto a balança não sai do sítio? Fruta, bebidas energéticas, molhos (incluindo a soja naquele sushi saudável e muitas reduções usadas nos restaurantes), iogurtes de pedaços, pão, sopas pré-preparadas… alimentos supostamente saudáveis, mas muitas vezes carregados de açúcares escondidos.
O Prof. Richard Johnson publicou três livros fascinantes (o último dos quais, “Nature wants us to be fat”) sobre o mecanismo metabólico desenvolvido há milhares de anos na luta pela sobrevivência, que deveria ligar e desligar automaticamente para auto-regular o peso corporal, mas que o estilo de vida contemporâneo mantém sempre ligado, tornando os nossos corpos máquinas hiper-eficientes de acumulação de gordura.
A generalidade dos animais tem mecanismos de auto-regulação do peso. Contudo, nos seres humanos a dieta e estilo de vida atual – rica em açúcares, hidratos de carbono e stress - podem “ligar” de forma permanente um mecanismo altamente eficiente de reduzir a produção de energia e aumentar a armazenagem de gordura, contribuindo para acumulação de peso que vai muito para além da tradicional contagem de calorias.
Cinco fatores contribuem para ligar ou desligar esse mecanismo metabólico, os “5S” da perda de peso: Sugar, Starch, Salt, Stress and Sleep.
O mundo ocidental vive uma verdadeira epidemia de obesidade e excesso de peso. O excesso de peso tem não apenas consequências sérias em termos de saúde mas pode também afetar o bem-estar psicológico, auto-estima e confiança das pessoas. Ou seja, o peso pode condicionar materialmente a nossa qualidade de vida.
A abordagem tradicional de contagem de calorias não é suficiente. Claro que se restringirmos brutalmente o consumo de calorias, gerando um défice entre calorias consumidas e gastas, acabaremos por perder peso. A questão é que essas dietas são extremamente exigentes e podem afetar a nossa energia e atenção para funcionar no dia a dia, e por isso tendem a não ser sustentáveis, conduzindo ao efeito yo-yo. Por outro lado, o exercício físico só por si dificilmente gera o défice calórico necessário – tem muitos outros benefícios em termos de tonificação muscular, cardiovascular, sono, etc mas a verdade é que uma cerveja no final de um jogo de ténis praticamente anula as calorias perdidas durante 1h de desporto.
Uma abordagem mais inteligente assenta nos conhecimentos que a ciência tem vindo a desvendar sobre os processos metabólicos.
Os açúcares (e hidratos de carbono) são combustível fácil para o ciclo de krebs de produção de energia celular, têm elevado índice glicémico e causam um disparo de insulina, que por sua vez é uma hormona que retira a glucose em excesso no sangue para armazenar nas células, sob a forma de gordura.
Esta gordura não é mais do que a forma do nosso corpo armazenar energia e água, ou seja, é uma reserva para tempos difíceis de falta de alimentos ou de água.
Os hidratos de carbono de alimentos com alto nível glicémico são convertidos em glucose, que depois é convertido em frutose, ou seja, açúcar. Portanto, os hidratos de carbono são quase equivalentes a açúcar (exceto em termos de concentração, naturalmente).
Reduzir brutalmente o consumo de açúcares e hidratos de carbono elimina este combustível e pode despoletar um mecanismo alternativo de produção de energia, através das ketonas, que queima a gordura acumulada para produzir energia.
Podemos entrar mais a fundo na base científica do efeito dos açúcares (Ie hidratos de carbono) no metabolismo humano, e como a vida contemporânea rica em açúcares, hidratos, sal, stress e falta de sono pode estar literalmente a ligar de forma permanente o mecanismo biológico de acumulação de gordura – independentemente das calorias ingeridas.
O metabolismo celular de produção de energia, ou ATP, pode funcionar em dois modos: a todo o vapor, ou seja, usar toda a glucose e frutose disponíveis no sangue para produzir energia, minimizando o armazenamento de gordura; ou em modo “queima lenta”, com menor produção de energia e guardando reservas em forma de gordura.
A frutose, ou açúcar, em excesso ligam o modo “queima lenta”, ativando um mecanismo metabólico ancestral a nível das células que faz as mitocôndrias (que produzem a energia para tudo o que o nosso corpo faz) produzirem menos energia e acumularem mais gordura. Isto não é um mecanismo exclusivo dos seres humanos, todos os mamíferos têm o mesmo mecanismo. Só que os animais selvagens têm mecanismos de autoregulação do peso, e quando se retira o excesso calórico, regressam ao seu “peso base”. O caso dos ursos é paradigmático, acumulam gordura antes da hibernação, mas em média ao longo do ano tendem a manter o mesmo peso ano após ano.
Pelo contrário, nos seres humanos contemporâneos (e animais domésticos), os excessos esporádicos dificilmente são revertidos. Ou seja, podemos ter uma alimentação cuidada durante a semana, apenas com excessos pontuais – normalmente, o corpo deveria auto-regular e saber que não precisa de armazenar os excessos, mas isso não acontece. Isto porque a vida contemporânea ativa de forma permanente um mecanismo ancestral de sobrevivência, designado “energy depletion pathway”, ou seja, “sinalizador de esgotamento energético”.
A hipótese é que ao longo da evolução humana, o açúcar constitui um indicador da chegada do inverno e ativa um processo de acumulação de gordura. Os frutos atingem o máximo de doçura, ou seja, frutose, no final do verão / início do outono, quando as sementes estão prontas e portanto as árvores “querem” que os animais comam os frutos para espalhar as sementes. Esse pico de frutose sinaliza a chegada do inverno e ativa o mecanismo de sobrevivência das células, ou seja, as mitocôndrias passam a produzir menos ATP (energia) e a armazenar mais gordura. Adicionalmente, este mecanismo de sobrevivência gera outros efeitos, como estimulação de apetite e resistência a insulina.
Se durante os milhões de anos de evolução humana este “interruptor de gordura” era um mecanismo de sobrevivência, hoje torna o corpo humano uma verdadeira máquina de acumulação de gordura. Isto porque (i) temos acesso a quantidades abundantes de açúcar o ano todo, e não apenas no fim do verão, seja por fruta seja por açúcar refinado; e (ii) não há redução de consumo calórico no inverno.
Isto significa que atualmente o modo de “energy depletion”, ou seja, o mecanismo de queima lenta de energia e acumulação acelerada de gordura, está permanentemente ligado. Isto estimula mais o apetite (o corpo produz menos energia e precisa de mais calorias) e converte menos calorias em energia, armazenando-as em gordura. Para as mesmas calorias ingeridas, maior percentagem é convertida em gordura, e menos é usada para produzir energia, o que nos faz sentir cansados e esgotados, ou seja, sem energia.
Este fenómeno é amplificado por três outros fatores que permeiam a vida contemporânea: Sal, Stress e Sono
Sal: o excesso de sal sinaliza um efeito semelhante a desidratação. A falta de líquidos no corpo aumenta a concentração de sal, que é percebida como um indicador de desidratação. O mesmo aumento de concentração de sal é atingido sem que haja falta de água, via aumento do consumo de sal. Assim, o excesso de sal é lido pelo corpo como sinalizador de risco de desidratação, e reforça ainda mais o mecanismo de sobrevivência descrito acima. Isto porque, como vimos, a gordura pode ser usada para produzir água (por isso os camelos têm duas bossas de gordura, literalmente dois garrafões de água incorporados)
Stress: o mecanismo de “energy depletion pathway”, ou seja, “esgotamento energético”, funciona por via de oxidação celular. O stress é um poderoso mecanismo de oxidação e despoleta o mesmo fenómeno. Isto está também ligado à sobrevivência ao longo de milhões de anos de evolução: no caso de uma ameaça, faz sentido reduzir a produção de energia (que é altamente consumidor de oxigénio), de forma a permitir libertar oxigénio para a ativação muscular – quando corremos o ritmo cardíaco acelera porque precisamos de levar mais oxigénio aos músculos. Portanto, perante um tigre prestes a atacar, faz sentido abrandar a alocação de energia aos processos de reprodução e reparação celular, reduzir a atividade das mitocôndrias e dedicar todo o oxigénio e energia ao sistema nervoso e músculos. Só que esse stress é suposto ser um estado provisório, e não permanente
Sono: fizemos um episódio dedicado à importância do sono e a sua influência na produção de leptina, uma hormona de regulação de apetite. A epidemia de insónia do mundo contemporâneo desregula esse poderoso mecanismo de controlo do apetite.
Há aqui um ciclo vicioso. O mecanismo de “esgotamento energético” induzido por uma dieta rica em açúcares e hidratos de carbono e pelo stress ativa um processo metabólico em que menor % das calorias consumidas são convertidas em energia imediata (ATP) e mais % armazenada para uma crise futura imaginária que nunca surge. Isso reduz a energia disponível, faz aumentar a sensação de fadiga e falta de energia, que por sua vez leva a comer mais, necessidade de trabalhar mais horas, sensação de frustração, stress e dificuldade em dormir.
Por outro lado, as tradições alimentares do mundo foram-se alterando nos últimos 10.000 anos, desde a descoberta da agricultura, passando a basear a alimentação humana em cereais, ricos em hidratos de carbono – em vez das proteínas e vegetais que foram a base da alimentação humana durante milhões de anos. Esses hidratos são uma fonte fácil de energia e permitiu alimentar uma população crescente que de outro modo seria impossível, mas enraizou hábitos alimentares hoje difíceis de abandonar.
Alterar os hábitos dietéticos e assumir uma escolha inteligente de redução de peso pode não resolver os problemas todos… mas ajuda!
Em conclusão, o mecanismo de “esgotamento de energia” que ativa o processo metabólico em “baixo consumo/alta armazenagem” serviu durante milhões de anos para a sobrevivência da espécie. Só que hoje está permanentemente ativado.
Então, o que podemos fazer para desativar este interruptor e voltar a um metabolismo normal de libertação de mais energia e menos armazenamento de gordura? É relativamente simples, apesar de exigir combater as imensas tentações à nossa volta. Temos que abandonar os “5 S” de acumulação de gordura, as drogas em que no viciamos:
1. Sugar (açúcar, frutose: chocolates, bolos, açúcar refiando, refrigerantes, sumos de fruta e frutas - com algumas exceções como kiwis, frutos vermelhos ou maças verdes)
2. Starch (hidratos de carbono, como batatas, pão, arroz, massas)
3. Salt (sal, aperitivos salgados)
4. Stress
5. Sleep deprivation (privação de sono)
Em termos de conselhos práticos, podemos acrescentar mais um: suplemento de vitamina C e antioxidantes como curcuma, azeite, linhaça e frutos vermelhos. Quer a vitamina C quer estes antioxidantes naturais reduzem a oxidação celular que é o mecanismo de ativação do “energy depletion pathway”, ou seja, o interruptor do modo “baixa libertação energética/alta acumulação de gordura”.
Curiosamente, as frutas tendem a ter alto conteúdo de vitamina C (sabor amargo) quando estão verdes, como se para evitar serem comidas, e depois quando amadurecem reduz a vitamina C e aumenta a frutose. Como se isso não bastasse, o corpo humano e de outros mamíferos não sintetiza vitamina C, como se evitasse o bloqueador do interruptor de sobrevivência que descrevemos.
Nem todas as calorias são iguais e para perder peso não é preciso passar fome, mas obter os nutrientes em alimentos diferentes, regressando a uma alimentação natural: proteínas e vegetais, ou seja, aquilo que podemos caçar ou apanhar. Mas abandonar aquilo que o mundo moderno nos habituou a comer: cereais e açúcares.
Os "5 S" da perda de peso são um modelo poderoso para orientar as nossas escolhas de vida. Boas escolhas na preparação do seu Natal!