OMAcademy
 
...

|| GLOW: deixe-se brilhar sem esforço. Desprender-se de procurar é a forma de encontrar a felicidade ||

O materialismo e ultra-racionalidade do mundo moderno permitiu à humanidade atingir passos extraordinários de progresso tecnológico e material a ritmo exponencial. Contudo, essa velocidade estonteante de progresso foi conseguida à custa de uma vítima escondida e ignorada durante demasiado tempo: a saúde mental. Não estou a falar de problemas mentais clínicos, mas de situações mais ligeiras de ansiedade, depressão, angústia, burn-out e insónia. Como reconquistar o bem-estar mental?
 
A tentação é natural: recorrer à mesma racionalidade e metido científico com que abordamos tudo para tentar intelectualizar a saúde mental: lutar a mente com a mente, usar a força de vontade para deitar fora aqueles pensamentos desconfortáveis e usar argumentos racionais para sossegar a mente… só que… bom, não funciona, pois não? E quando a força de vontade e o diálogo racional que tentamos ter com os nossos pensamentos não funciona, o passo seguinte é atacar com coisas ainda mais fortes, fármacos, numa escalada de luta que justifica o aumento alucinante do consumo de ansiolíticos, opioides e sedativos.
 
Deixem-me partilhar um segredo: essa é a luta errada, e impossível de ganhar. É impossível lutar a mente com a mente. Ironicamente, a forma de atingir um estado de maior contentamento, felicidade e serenidade é… deixar de lutar. Deixar essa obsessão do mundo moderno com eliminar toda e qualquer sensação desagradável e aceitar as sensações que surgem em cada momento: alegria, ansiedade, vazio… como um observador curioso e consciente que vai vendo o rio passar, mas abandonando a luta para tentar parar o rio ou mudar o curso com as mãos. Quanto mais tentas desesperadamente e obsessivamente ser feliz, mais essa felicidade ilusória te foge entre os dedos.  
 
As crianças em geral têm mais capacidade de ser verdadeiramente felizes, porque deixam a vida fluir, sem pressão. Brincar ou correr ou pintar ou ler um livro porque sim, pelo prazer simples de correr ou aprender ou experimentar – sem outros objetivos. Os adultos estragam tudo quando tentam definir objetivos e criar planos que transformam a existência numa lista obsessiva de obrigações. Deixamos de estar, de ser, para viver num modo permanente de fazer. Fazer isto PARA atingir aquilo. Comer bem PARA ter saúde. Fazer exercício PARA perder peso. Meditar PARA acalmar a mente. Dormir PARA ter mais energia. Postar no Facebook PARA ter mais likes. Bolas, quando tornamos as nossas vidas um inferno de obrigações??  
 
O cérebro humano tende a funcionar bem com os mecanismos de incentivo e recompensa, mas estamos provavelmente num ponto de “goal drowning”, náufragos no peso dos objetivos auto-impostos. A objetificação da vida, transformando tudo num processo de incentivo e recompensa, tem um problema: a mente torna-se insensível a esse excesso de ruído. A abordagem racionalista promete que depois de atingir uma lista interminável de objetivos, atingiremos o nirvana, o paraíso, a felicidade… mas depois, sempre depois. Prisioneiros da nossa própria mente, naufragamos no peso constante de mais e mais e mais, sem nunca conseguir simplesmente ser e estar, aqui e agora. 
 
Na verdade, esta abordagem cartesiana à felicidade adultera o propósito e faz exatamente o inverso do pretendido: a mente foca-se no resultado e no gap, e não permite lá chegar. Ao longo de milhares de anos de evolução humana, após fazer o necessário para a sobrevivência do próprio e do grupo, as pessoas podiam dedicar-se a fazer coisas simplesmente porque sim, e não “para” qualquer coisa. 
 
Isto aplica-se também à meditação Mindfulness, tal como a dormir melhor ou a perder peso. Quanto mais focamos obsessivamente no objetivo em vez da essência de uma certa forma de ser e estar, mais inatingível é esse objetivo. Como o yogi que se senta para meditar e ao fim de dois minutos a mente começa “já chegamos? Já estamos no zen? Já paramos os pensamentos?” Pois… estás a ver porque focar no objetivo distorce o processo.
 
O segredo da felicidade, serenidade e contentamento é deixar de lutar por esse estado indefinido e deixar a mente e corpo ser e estar. Irónico que para encontrar felicidade e paz de espírito temos simplesmente que deixar de lutar e procurar. Contra-intuitivo e precisamente o contrário da abordagem racional cartesiana.
 
Esta intuição é central no caminho que o Mindfulness nos pode ajudar a percorrer: abandonar a luta e o foco nos resultados, para sentir e experienciar a maravilha de existir. Libertar progressivamente a mente racional dos pensamentos habituais a que tende a regressar e focar nos sentidos, no corpo, na respiração. 
 
Por estranho que pareça, a mente muitas vezes prefere um estado de ansiedade ou stress a que está habituada do que o estado incontrolável de pensamentos livres e fluidos. Precisamente porque a função da mente é proteger-nos contra os riscos. A mente desenvolveu-se para adivinhar os riscos, remoer e aprender sobre o passado. O overload de informação com que a vida contemporânea ataca a mente leva a uma reação de proteção instintiva: abdicar dos estados naturais de uma mente livre e fluida, em troca da ilusão do controlo. A ansiedade, o stress, criam uma falsa ilusão de controlo, e a nossa mente agarra-se desesperadamente e obsessivamente a essa ilusão de controlo para nos tentar proteger, manter na zona de conforto… não, não saias à rua, não escrevas um livro, não faças o curso de mergulho, não deixes o chefe tóxico ou o namorado idiota! Mantém tudo como está, sob controlo, e luta, luta, luta!
 
Uff!! Deixar ir. Mas deixar ir não é reprimir. Let go but without the struggle. Deixar os pensamentos chegar, reconhecê-los e deixá-los ir não significa lutar desesperadamente com esses pensamentos, como um gladiador contra os demónios na arena romana. Não vencemos os demónios. Ponto. Deixar a luta é sentar e ouvir esses demónios, todas as partes fragmentadas que vivem dentro de nós, dar-lhes atenção e carinho, com gentileza e consciência. Esses demónios fazem parte de mim, mas não sou eu. Eu sou uma consciência maior que assiste e reconhece todas essas partes e fragmentos que formam a minha unicidade e totalidade, por vezes com ligeireza, outras vezes com trovoada, mas sempre como vagas em fluxo. 
 
A mente cai em armadilhas e ilusões na tentativa de nos proteger e fazer sentido de um mundo caótico e imprevisível à nossa volta. Quanto mais tentamos forçar estados de ansiedade, depressão ou angústia a desaparecer, mais a mente se foca nesses estados e se agarra desesperadamente a eles. Para criar a ilusão de controlo, a mente prefere estados conhecidos, mesmo que de ansiedade e depressão, do que deixar ir, solta e livre. E na falta da sensação verdadeira da felicidade ou serenidade, a mente procura segundas derivadas, compensações: o gelado, o chocolate, o copo de vinho, o cigarro, ver Netflix até à 1h da manhã… 
 
Encontrar a serenidade e contentamento implica deixar ir e abandonar a busca… 
 
Há também auto-sabotagem: a mente engana-te para boicotar a mudança, manter os hábitos, mesmo que não sejam saudáveis. Por isso é difícil mudar, porque temos que passar ao lado da auto-sabotagem que desculpa as más escolhas. Por isso, para mudar hábitos, é importante desenvolver auto consciência, compromisso, e técnicas praticas para saber parar. Antes de pegar num cigarro ou servir mais uma dose de arroz, parar e pensar “é mesmo isto que quero, é mesmo isto que me dá prazer”? e se for, ok, na boa! Mas 90% das escolhas não são auto-conscientes, são auto-piloto, mecanismos de sabotagem. Portanto, só o ato de parar e tomar escolhas conscientes leva a melhores decisões.
 
A trilogia da meditação Mindfulness tem três partes, que podemos combinar em diferentes exercícios pragmáticos usados técnicas para treinar cada uma das vertentes do triangulo:
 
1. Sentir: Focar a mente em pontos estáveis do corpo, na respiração ou num body scan, para libertar a mente racional e focar nas sensações. Neste processo, ganhar consciência do fluxo permanente de ideias e emoções que percorrem a mente, e lentamente mudar a relação com essas ideias e emoções. A intenção não é parar a mente, bloquear os pensamentos (para quem tem vidas atarefadas, esse estado de zen é impossível sem drogas pesadas), mas aprender um novo relacionamento com eles, permiti-los chegar, ter consciência, e escolher se queremos envolver-nos nesses pensamentos ou deixa-los ir. Levar os pensamentos menos a sério. Não, nem tudo o que pensamos merece ir para o Outlook ou o Plano Trienal ou o Twitter. 
2. Visualizar: Focar a mente numa sensação de bem-estar, num espaço de serenidade cheio de luz, quente e espaçoso, onde a mente pode repousar sempre que quiser. Progressivamente habituar a mente que há outros espaços seguros que não apenas o de ansiedade e stress em que se viciou, mas pode repousar em segurança neste espaço amplo e luminoso dentro de nós.
3. Experienciar: Esta é a fase mais difícil, que consiste em atingir uma verdadeira liberdade e fluxo de ideias, um espaço criativo e livre, mas sem bloquear obsessivamente. De certo modo, é um deambular não obsessivo – muito difícil, porque quando deixamos a mente ser livre e perder o foco na respiração ou numa visualização, ela tende a cair novamente nos estados padrão de controlo. O exercício consiste em alternar entre focar a mente e deixar a mente deambular: ancorar na respiração por uns minutos, depois deixar a  mente fazer o que quer por uns minutos, depois voltar ao foco. Esta alternância permite experimentar por uns instantes o que pode ser a liberdade de uma mente em fluxo, mas sem perder o controlo, voltando a intervalos à âncora.
 
A primeira parte do triangulo é focar a mente em âncoras dos sentidos, como a respiração ou body scan, para deixar os pensamentos vir e partir; a segunda parte é visualizar um estado em que a mente pode repousar de forma livre; a terceira parte é experienciar uma mente livre.     
 
Este estado de existência em fluxo, permite aos atletas de alta competição, profissionais de alta performance e artistas criativos atingir uma performance serena, uma performance aparentemente sem esforço. E é… porque apesar do trabalho duro e treino, quando o que uma pessoa faz é parte da sua natureza, e não contra a sua natureza, esse esforço é natural. 
 
Este brilho é visível em todas as áreas da vida e estratos sociais, pessoas que estão bem consigo próprias, com o que fazem, com o que são. Do mesmo modo, encontramos pessoas em luta interna independentemente de riqueza ou profissão. Encontrar o brilho interior implica auto-conhecimento, a sorte ou sabedoria de nos dedicarmos aquilo que intimamente nos faz vibrar. Há coisas que fazemos sem esforço, porque fazem parte da nossa natureza. Devemos ter a coragem de procurar isso em todas as áreas da nossa vida, pessoal e profissional.
 
Para podermos brilhar e levar uma vida GLOW, como “gentle and luminous observer of wonders”. 
 
Para brilhar e levar uma vida extraordinária, sentir o brilho de ser, temos que nos deixar levar por um caminho mais gentil e suave, deixar-nos espantar com o mundo e encontrar a natureza do que nos faz vibrar, o que nos toca, o que no nosso íntimo sentimos como extraordinário – só quando encontramos o que sentimos como extraordinário e nos dedicamos a fazer isso, é que podemos dar ao mundo coisas extraordinárias e levar uma vida extraordinária. Nesse momento, em flow, conseguimos todos fazer coisas extraordinárias sem luta… não é sem esforço, o extraordinário exige sempre esforço, mas quando o esforço é natural e interior, é um esforço sem luta.
 
O que é estranho neste caminho, é que para o encontrar temos que deixar de procurar, deixar a luta, e permitir-nos descobrir o nosso brilho, o nosso caminho GLOW.
23 Dezembro 2022