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|| Rir é o melhor remédio ||

A importância de parar, descansar e rir: fazer menos pode ser o segredo para fazer mais
Se queremos que o cavalo selvagem da nossa mente criativa e poderosa possa galopar livre e fazer coisas extraordinárias, temos que saber libertar-nos do arnês pesado do excesso de trabalho quotidiano ou da dúvida, do medo e das pessoas tóxicas que nos tentam domesticar. 
O atleta de alta competição sabe muito bem que a recuperação muscular faz parte integrante do treino para conseguir atingir performance máxima. Então, porque achamos que o cérebro é diferente? Bombardear continuamente o cérebro com informação e exigir dele atenção 24/7 para responder a emails, fazer apresentações ou mais uma reunião pode dar a aparência e o conforto de que estamos a “dar tudo por tudo”… mas a médio prazo vamos simplesmente acabar com performance sub-optima, em tarefas pouco criativas e menos exigentes.
No mundo da produtividade e eficiência, precisamos de tempo improdutivo para parar, descansar e rir, conectar com amigos e a natureza. Não fazer nada com um objetivo específico, mas dar espaço à espontaneidade, às gargalhadas, à alegria contagiante e ao espanto perante o mundo que nos rodeia. Porque continuamos a adiar eternamente até atingir isto ou aquilo, para “depois” ser felizes? Aqui e agora é uma boa altura para ser feliz!

A obsessão com a produtividade: o que é um dia de trabalho “natural”?
A obsessão com a eficiência e produtividade é relativamente recente na história da humanidade. Durante milénios, homens e mulheres viviam a trabalhar não mais de 5-6h por dia, para encontrar comida ou executar a sua arte. O resto do tempo era passado a socializar, a brincar e a relaxar. À medida que criamos invenções que nos aliviam dos trabalhos quotidianos, da máquina de lavar aos computadores, o tempo tornou-se mais valioso – literalmente, tempo é dinheiro! 
A tecnologia permitiu reduzir brutalmente o tempo improdutivo dos trabalhos domésticos ou de movimentação, permitindo substituir essas horas improdutivas por mais horas produtivas, aumentando as horas em que a mente e corpo dedicam a trabalho produtivo. Mesmo no tempo de descanso, já não precisamos de estar aborrecidos sem fazer nada, a contemplar o nosso umbigo, mas somos bombardeados por diversões externas que competem pela nossa atenção, prometem prazeres fáceis, e nos roubam da capacidade de autocontemplação.  
Esta obsessão pela produtividade é facilitada pela tecnologia, mas não é causada pela tecnologia – antes, reflete e amplifica uma cultura de produtividade. O capitalismo e liberalismo económico contribuíram mais para a melhoria das condições de vida materiais de grande parte da humanidade, mais do que qualquer outro sistema social. Só que assentam numa “história”: a crença no self-made man e self-made woman, que através de trabalho e competências consegue afirmar-se e subir socialmente. Essa “história” que permeia os filmes e livros cria um sistema de valores que assenta no trabalho: a felicidade compra-se com riqueza e a riqueza conquista-se com trabalho. E com base nessa história, milhões de pessoas se lançam cada manhã na máquina trituradora, no tapete de corrida em que temos que continuar a correr para não sair do sítio.  
Esta cultura de produtividade entra em todas as áreas da nossa vida, transbordando do trabalho para a vida pessoal – ou seja, a obsessão com o tempo produtivo contamina o tempo de descanso, que deixou de ser horas vazias e aborrecidas para estar preenchido com atividades: mais uma aula de aeróbica, aulas de mandarim, fazer pão caseiro, passar horas a espera para entrar no restaurante da moda... O tempo de descanso deixou de ser tempo de não fazer nada, para ser uma competição para ver quem faz mais coisas. 

Ansiedade e culpa por não fazer nada
Nesta cultura de produtividade, não fazer nada gera ansiedade social, medo de falhar ou de ser percebido como preguiçoso. 
A obsessão pela produtividade está na base do aumento exponencial de ansiedade e depressão no mundo contemporâneo. O sentimento de isolamento social duplicou nos últimos 20 anos. A taxa de suicídio entre teenagers nos EUA está a aumentar desde 2010. Como é possível sentirmo-nos isolados num mundo mais conectado do que nunca?
A questão é que podemos ter passado o “ponto ótimo”. Porque é que somos tão produtivos e eficientes e, no entanto, nunca houve tanta ansiedade, stress, insónia e desconexão? 
Na verdade, o foco na produtividade pode ser um foco em fazer mais coisas, mas não necessariamente as coisas relevantes ou com impacto. Segundo dados da OCDE, a Grécia é o país da Europa onde se trabalha mais horas, e no entanto está em número 24 de produtividade… 
Não sou contra o trabalho! Pelo contrário… nada se faz sem muito esforço e dedicação – desde que pelas razões certas, por decisão própria e na dose certa.

Os benefícios de rir… e passear, estar com amigos, descansar
O bom humor e o riso ajuda a manter o equilíbrio emocional, relaxar, auto estima e bem-estar. Quando partilhado com amigos, aumenta a intimidade e sentimento de partilha e pertença. Mas sabia que rir também contribui para reduzir o stress, fortalecer o sistema imunitário, aumentar a energia e reduzir a dor? 
Treinar a mente não passa apenas por libertar pensamentos negativos e conseguir silencio e serenidade mental. Treinar a mente pode também passar por conscientemente gerar estados mentais positivos, de alegria interior, espanto perante o mundo, amor ao próximo. No fundo, criar as condições mentais para a alegria de viver, o “joie de vivre” que não depende de coisas externas para nos entreter, mas que emana de dentro.
O sorriso ajuda a manter a elasticidade da pele e manter uma expressão radiante de energia, de empatia que desarma aqueles que estão na presença de uma pessoa verdadeiramente feliz (sorriso simulado não conta, o cérebro humano é extraordinário a captar expressões faciais falsas). Uma boa gargalhada pode ter efeitos de relaxamento e redução de sensações negativas ou depressivas até 45 minutos.
Rir liberta hormonas do bem-estar serotonina e endorfina, contribuindo para a saúde mental. Além disso, o sorriso aumenta o fluxo sanguíneo, contribuindo para o controlo da pressão arterial e saúde cardio-vascular.
O riso pode movimentar até 80 músculos do corpo humano, ativando o cérebro, face, garganta, torax, abdómen, coração e pernas. A redução de stress e ansiedade contribui também para o descanso e o sono. E cria laços entre as pessoas que partilham um bom sorriso.  

A inquietude e inteligência humana tem feito maravilhas tecnológicas… e a felicidade?
A impaciência é inerente ao ser humano. O Homo Sapiens existe há menos de 300.000 anos… comparem isso com os 66 milhões de anos que os dinossauros dominaram o planeta. E no entanto, em tão pouco tempo, o homo sapiens fez tanto! Isso é reflexo da inquietude e impaciência humana – a nossa mente é literalmente uma fábrica de ideias e possibilidades que depois transformamos em realidades!  
Esta inquietação é única da espécie humana e traduz um mecanismo biológico evolutivo extraordinário. O ser humano tem uma consciência única do que se passa à sua volta. Só que essa consciência poderia tornar-se um problema sério em face de desgraças, secas, pragas, guerras. Por isso, a mente humana desenvolveu uma grande plasticidade, capacidade adaptativa, ou seja, a tendência de ajustar rapidamente as expectativas e emoções ao estado do mundo.  Podem acontecer coisas terríveis, que a mente humana normalmente consegue ajustar-se e regressar ao mesmo estado emocional anterior a esses eventos terríveis. Isso confere enorme resiliência perante as dificuldades. 
O problema é que a plasticidade funciona para os dois lados: protege a sanidade mental quando acontecem coisas terríveis, mas também rapidamente incorpora e elimina a felicidade de coisas boas, levando sempre a estado emocional “base”. Por isso, o hedonismo precisa de ser continuamente alimentado com novos prazeres. O chocolate de ontem não dá prazer hoje. A vitória ou promoção de ontem já não são suficientes hoje.
Se a mente é insaciável, será que a solução para reduzir a inquietude mental é uma existência ascética de renúncia a todos os prazeres, aceitando a inevitabilidade de que tudo (dor e prazer) é passageiro? Essa é a abordagem de algumas tradições filosóficas, em particular budismo e hinduísmo. 
Confesso que prefiro aceitar os altos e baixos, a montanha-russa das emoções da vida, ter uma existência interventiva no mundo em vez de passiva. Mas há uma sabedoria naquelas abordagens contemplativas de que as nossas mentes inquietas podem beneficiar: a consciência de que felicidade e tristeza são apenas emoções, passageiras, e desenvolver um certo afastamento saudável e consciente em relação às tempestades e sobe-desce da vida, ganhando mais resiliência e serenidade.

Excelência e Preguiça são dois lados da mesma moeda
Não fazer nada, re-encontrar um espaço para preguiça improdutiva, auto-reflexão e sonhos, não significa abdicar do mundo ou deixar de ser competitivo e produtivo. Pelo contrário… podemos trabalhar 30 horas por semana e nunca ter a mente sossegada porque estamos amarrados a empregos ou relações pessoais que estão contra a nossa natureza. Ou podemos trabalhar 80 horas por semana e sentir-nos a voar, livres e em harmonia com a nossa essência. 
Se já está no segundo caso, ótimo! Continue e faça coisas extraordinárias. 
A questão é quando, por qq razão, perdemos esse “toque mágico”. Isso acontece a todas as pessoas, mesmo as mais bem-sucedidas. Na verdade, esses momentos de dúvida são momentos de auto-reflexão e crescimento. Nessas fases de deserto emocional, devemos ter a coragem de auto-análise, de parar para recuperar energias ou sarar as feridas físicas e emocionais. 
Não fazer nada significa ter a coragem de parar para reconectar com o que nos faz vibrar. Só que isso é um processo que exige tempo, não pode ser apressado do tipo “50 minutos com o psicólogo para reencontrar a verdadeira natureza”. É um processo muito individual, isolado. Nas fases em que nos sentimos “desconectados”, a tentação é fazer mais do mesmo, colocar mais horas, mais esforço – só que isso só cava ainda mais o buraco. Nessas fases, é preciso saber dar um passo lateral, fazer menos para reencontrar as energias e propósito para fazer mais.  
Excelência e Preguiça são quase dois lados da mesma moeda. A mediocridade esforçada e trabalhosa segue sempre em frente, como um burro com palas que se limita a continuar a puxar a carroça, com estabilidade e monotonia. A excelência e genialidade tem altos e baixos, e só se aceitarmos os pontos baixos é que podemos ambicionar aos pontos altos. Os grandes desportistas, artistas, empreendedores são sempre obsessivos – porque têm um propósito em que acreditam com toda a sua alma, estão conectados à sua natureza. É daí que vem a paixão para criar magia no mundo.
Se nos concentrarmos no resultado final, acabamos por perder a magia do processo. A maioria das pessoas e empresas tenta forçar produtos e serviços medíocres ao mundo, vender-se com o seu esforço ou com truques de marketing pessoal e empresarial. Em vez de vender esforço, se nos concentrarmos em oferecer magia ao mundo, as coisas acontecem com naturalidade. Já estiverem em Florença, perto da estátua de David, de Michelangelo? O David não é uma obra de esforço, de horas, é uma obra de amor, de paixão. 

Mais horas de trabalho para disfarçar a falta de inspiração
É extraordinário quando conseguimos dedicar a nossa vida a fazer algo que nos apaixona, em que tudo flui com naturalidade. O que acontece, porém, é que quando temos preguiça ou azar ou receio de procurar essa paixão, acabamos por tentar simular o esforço obsessivo da genialidade – disfarçar o descontentamento com mais esforço e horas, porque essa obsessão pode ser mascarada como intensidade e paixão. E na verdade, ninguém, a não ser nós próprios, consegue distinguir a diferença! E ao compensar a falta de paixão com mais horas, acabamos por reduzir ainda mais a energia e oportunidade de auto-reflexão, essencial para encontrar e dar corpo a essa paixão.

Ter coragem de sair do tapete rolante: parar, respirar e sorrir
Portanto, para atingir os picos das montanhas altas da satisfação pessoal temos que aceitar os vales da dúvida e auto-reflexão. Para continuar a crescer e libertar todo o potencial, temos que saber quando parar e não fazer nada. Alcançar o nosso máximo potencial pode não significar acrescentar mais esforço, mas a solução contra-intuitiva pode ser exatamente o oposto – sair do tapete rolante em que corremos, corremos, sem sair do lugar. Dar espaço para crescimento e auto-reflexão, e ter coragem de procurar o que amamos. 
Temos que deixar de nos tratar como máquinas que podem ser otimizadas e forçadas a correr ininterruptamente. Aliás, o desenvolvimento do poder computacional só torna ainda mais importante a criatividade e capacidade de sonhar novas possibilidades – e criar magia naquilo que fazemos.
Dar tempo para parar, respirar, viver qui e agora. E rir! Rir é o melhor remédio. Partilhar um sorriso com a pessoa que amamos. Rir às gargalhadas com as amigas. Ou sorrir sozinha de contentamento interior perante a energia do sol da manhã.
Uma vida saudável e equilibrada passa por um balanço difícil entre lutar por melhorar e apreciar o que já atingimos. 
Bom descanso e boas gargalhadas!

07 Outubro 2022